A história de "Guernica"
Livro narra a fascinante trajetória da tela de Pablo Picasso que se tornou sÃmbolo contra a barbárie das guerras
Ivan Claudio
SEMPRE NA MIRA Para os nazistas, Picasso (acima) fazia parte da Resistência Francesa; para o FBI, ele era espião russo.
                   Era óbvio que não foi pela pintura vanguardista que o ateliê de Picasso (1881-1973) havia se tornado um ponto turÃstico: a intenção dos oficiais alemães era descobrir ligações do artista com a Resistência Francesa. Tal pano de fundo torna incontornável a leitura desse livro hÃbrido, que retrata a vida do pintor, os momentos marcantes da história, da Guerra Civil Espanhola à redemocratização do paÃs, e, por que não, a narrativa épica da incrÃvel trajetória de uma tela. Sabe-se que Picasso não pintou "Guernica" (atualmente exposta no Museu Reina Sofia, em Madri) por iniciativa própria: ele havia sido convidado a produzir um trabalho para a Exposição Internacional de Paris pela organização do pavilhão espanhol e, a três meses da abertura, ainda não tinha um tema. Quem lhe sugeriu o bombardeio como assunto foi um dos organizadores do pavilhão. Picasso argumentou que não sabia como ficava uma cidade destruÃda. "É como um touro desembestado numa loja de porcelanas chinesas", disse-lhe o amigo.
                   Nos meses seguintes ao ataque nazista, marcados pela ascensão do ditador espanhol Francisco Franco, a obra começou a viajar pelo mundo para arrecadar fundos destinados aos refugiados republicanos. Já pensando na possibilidade de "Guernica" tornar-se uma arma polÃtica, Picasso a fez numa lona fácil de ser retirada da armação e enrolada. Em 1938, quando ela esteve exposta na Inglaterra, os homens entravam na sala da galeria e saiam descalços. O preço do ingresso eram botas usadas, destinadas ao front. Mas, somente quando o painel foi levado para os EUA, um ano depois, é que sua fama ganhou o mundo - e não apenas porque gerou um debate sobre a neutralidade do governo americano diante do avanço nazista. A chegada da tela coincidiu com o ambiente receptivo ao modernismo e a transferência dos debates artÃsticos e do mercado internacional da arte da Europa para os EUA.
                   A permanência da obra em Nova York não foi sempre pacÃfica. Durante o macartismo, nos anos 1950, o FBI elaborou um relatório sobre Picasso ("Questão de Segurança C, Arquivo 100-337 396"), em que o identificava como espião soviético. Chegava ao exagero de dizer que o pássaro que serviu de modelo para a pomba da tela era um "jacamim russo". Após o Massacre de MyLai, no Vietnã, em 1968, "Guernica" foi vÃtima de um ataque vândalo, exigindo que Picasso a retirasse do MoMa. O pintor argumentou que, como hóspede de honra do museu, a obra fazia "um discurso polÃtico todos os dias no centro de Nova York". Ao projetar o Museu Guggenheim de Bilbao, no PaÃs Basco, o arquiteto Frank Gehry reservou um espaço para o painel. Mas os herdeiros de Picasso e o governo espanhol não foram favoráveis à transferência da tela para a cidade, que fica a meia hora de Guernica. Ao que os bascos responderam, provocativos: "Nós ficamos com as bombas e Madri, com a arte."
TRAGÉDIA CUBISTA A tela genial retrata pessoas em fuga. Picasso dizia que não imaginava uma cidade sendo bombardeada
COMO FOI O ATAQUE AÉREO
Era uma segunda-feira ensolarada na cidade de Guernica, um povoado histórico do PaÃs Basco, região autônoma ao nordeste da Espanha. Os habitantes, a maioria camponeses, levavam sua vida habitual, mesmo para uma época de guerra. A única coisa fora do normal foi a passagem de um avião de reconhecimento, voando em cÃrculos - isso à s 11 horas. E só. Mas, por volta das 16 horas, o céu escureceu. Voando em forma de "x", 23 aeronaves marcadas com uma cruz negra avançaram sobre a cidade. Era a Legião Condor da famigerada Luftwaffe, a força aérea nazista. Durante três horas, a esquadra despejou 250 quilos de bombas de fragmentação e incendiárias, transformando o lugarejo numa bola de fogo. 1.645 pessoas morreram e 889 ficaram feridas. Às 19h45, quando a formação desapareceu no horizonte, a cidade tinha virado cinzas.

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