Instituto José Maciel

Breve perfil de Augusto Severo

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Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, filho de Amaro, pernambucano vindo de Nazaré e de D. Xana foi, pelo multifacetismo e pela riqueza de sua personalidade, uma figura que se tornou lendária. Poderia, se mais cedo houvesse nascido, ter sido um nobre, um corsário, um espadachim, um cruzado ou um menestrel.

Nascido em Macaíba – antiga vila de Coité – fundada à margem esquerda do rio Jundiaí, em 11 de Janeiro de 1864, Severo dividiu a primeira infância entre sua cidade e o pequeno “feudo” dos Guarapes, a 12 quilômetros ao sul de Natal, em uma poética curva do nosso rio Potengi, onde Amaro, seu pai, pontificava como cheia e senhor.

Severo, o homem – que desde menino foi o preferido de Amaro e D. Xana, - era uma figura fascinante. Alto, bonito, forte e ágil. Foi, por isso, comparado, muitas vezes, a um “aventureiro e belo cigano”. Mais tarde, eu o comparei, e ainda o faço hoje, a outro pioneiro do espaço, percurso dos vôos transoceânicos, Jean Mermoz, fizeram suas últimas travessias do espaço como novos Icaros, pois se Severo foi atirado da explosão e das chamas do seu “PAX”, Mermoz mergulhou nas águas do Atlântico, como um novo filho de Dédalo.

Desde a cozinha à sala, passando pelos arranjos decorativos, uma sugestão sobre a moda feminina, a organização de uma quadrilha, o sarau, a tertúlia, os jogos do salão, Severo era consultado. Depois íamos encontrá-lo no campo, empinando papagaios e experimentando as correntes aéreas, no seu já nascente sonho de dominar o espaço. Tinha como falou o nosso Mestre Cascudo. “a serenidade, a confiança, a tranqüila certeza de poder dispor de si mesmo e de possuir-se”.

E a vida de Severo se segue, em um crescendo de beleza e de realização. Já rapaz seguiu para Salvador, para o colégio do professor Ernesto Carneiro Ribeiro, que também ensinou Rui Barbosa. De lá foi para o Rio para a Escola politécnica, pois se pretendia fazer Engenheiro. Motivos superiores, inclusive de saúde, impediram-no de continuar. Não passou do segundo ano.

Em Natal outra vez, Severo foi nos anos de 1882 e 1883, professor do Ginásio Riograndense, cujo diretor era seu irmão Pedro Velho. Ensinava aritmética. Tentou mais uma vez o comércio que já havia experimentado em Guarapes, com o seu pai Amaro e com o seu tio Jovino. Mas não estava ali a sua vocação, i destino maior para que tinha nascido. Em 1887, Severo, ainda com seu irmão Pedro Velho, faz a campanha abolicionista. Foi o professor do ateneu escreveu na “Republica”, e foi Deputado à Constituinte estadual e depois federal e como Deputado Federal, morreu no seu dirigível em paris.

Mas, entre os anos de 1864 e 1902, houve muitas coisas mais na vida de Severo. Coisas que vieram esculpir, no tempo e na história sua maravilhosa figura de pioneiro, de homem público de criatura capaz de muito amar e de poeta.

Em Severo, o inventor, o cientista, o predestinado; o apelo dos espaços aéreos surgiu bem cedo, com a força irreprimível das grandes torrentes. Ainda menino dizia a um amigo de seu pai que, por varias vezes, o encontrara a observar o vôo majestoso dos urubus e dos gaviões: “um dia ainda hei de fazer o mesmo”. E nunca deixou de ser fiel ao seu destino. Estudando, interessando-se e procurando mesmo inovar e aperfeiçoar o que até então já havia sido feito no campo da aerostação. Em 17 de agosto de 1892, registra no Ministério das Indústrias (documento que possuímos em nosso acervo) o seu invento para a dirigibilidade dos balões semi-rigidos, ou navio de alto ar, como costumava denominar a sua invenção. Esse documento foi igualmente registrado no então consulado francês, no Rio de Janeiro. No mesmo ano aparece com os planos do seu primeiro balão, o “potiguarania”, no qual o pioneirismo audacioso da concepção ressalta da rusticidade dos traços desenhados por Severo. Ainda não seria desta vez que transformaria em realidade os seus sonhos.

No ano seguinte, Severo planeja o seu “Bartolomeu de Gusmão”. Para isso conta com o apoio de Floriano Peixoto que, confiando em A. Severo, resolve mandar construir o balão como arma de guerra. No quartel do Realengo é iniciada a construção do dirigível e a preparação do gás de hidrogênio. Entretanto não havia ainda no Brasil, a liga de alumínio que severo pedira para a construção da barquinha e, por isso, a experiência feita nos começos de 1894, não teve sucesso esperado. Mas Severo, o predestinado, confiava no seu invento e não desanimava. Enquanto trabalhava no que mais tarde viria a ser o “PAX”, Severo inventou o tubo motor de reação que segundo consta, foi posteriormente utilizado na torpedeira inglesa “A Turbina que chegou a desenvolver como o novo invento, a velocidade então quase fantástica de trinta e sete (37) milhas. É também de Severo o invento da hélice introduzida em um grande tubo que permitia o navio ir a frente ou a ré, com muito mais maneabilidade, apenas com uma simples inversão do tubo do motor.

Finalmente Severo depois de muita luta, de muito sacrifício, consegue construir em paris, o seu dirigível “PAX”, com a valiosa ajuda de Pereira Reis e de Sachet, técnico da fabrica de motores Buchet, que seriam utilizados em seu aparelho. Com o “PAX”, Severo efetuou vôos de experiência, em paris, nos dias 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 de maio de 1902. Certo da eficiência do seu invento, Severo anunciou o seu vôo oficial para o dia 12 de maio. Toda a imprensa mundial estava presente, inclusive George Melies, amigo dos irmãos Lumière e igualmente pioneiro do cinema, que iria conseguir filmar o sinistro, como primeiro furo cinematográfico da humanidade.

Tudo estava pronto. Somente uma coisa preocupava Severo: a proximidade dos dois motores de explosão do imenso bojo, contendo 9.000 metros cúbicos de gás inflamável. Sobre isso ele falou a Pereira Reis: “sei o quanto é perigoso subir aos espaços com aqueles motores tão próximos do hidrogênio. Infelizmente não disponho do tempo nem de meios para fabricar os motores a pilha que já tenho desenhado e o meu compromisso com o mundo é muito grande. Sabe Pereira? Às vezes é necessário até morrer, para provar à humanidade a validade de uma idéia”. E, sempre fiel à sua predestinação, A. Severo subiu mais uma vez. Ele e Sachet, seu mecânico Francês. Acontece o que ele previra. O dirigível move-se graciosamente no ar. Faz evoluções, curvas e... de repente o estrondo da explosão violenta ressoa nos céus de Paris.O dirigível envolve-se em chamas e Augusto Severo atirado fora da barca pela força da deslocação do ar, cai de pé na Avenida do Maine, realizando a premonição de Ícaro o homem pássaro da Grécia lendária e heróica, quando aproximando-se do Sol, perdeu as asas e fez seu último vôo vertical até as águas profundas do mar Egeu.

Esse foi Augusto Severo, o cientista e o mártir de um ideal. Na política, como ser privilegiado que era, Severo distinguiu-se pela fidelidade aos seus ideais, pela sua compreensão, pelo seu grande espírito publico, pela sua bondade e pelo seu desprendimento. Entre outras coisas, é de proposta dele a lei federal de 17 de julho de 1901, que concede a Alberto Maranhão Santos Dumont uma ajuda de 100:000$000 (cem contos de reis). Para que o aeronauta brasileiro pudesse continuar as suas experiências em Paris e apesar disso, conforme diz Augusto Fernandes, em seu livro “o Pioneiro Esquecido”. “Muitos historiadores, quando relatam a vida de Santos Dumont, esquecem o nome de Augusto Severo”.

Ainda como político, Augusto Severo foi abolicionista, o republicano, o orador brilhante, o defensor dos interesses nacionais e altruísticos. De sua palavra lúcida nasceram os projetos de saneamento do Rio de Janeiro, então Capital Federal de proteção aos operários dos arsenais, de assistência à infância desamparada.

Augusto Severo teve muitos irmãos. Treze, para ser preciso. Foram eles: Fabrício Pedro Velho, Inês, Sergio, Aldelino, Izabel, Luiz, Joaquim, Maria, Alberto, e Áurea. Entre esses irmãos destacaram-se, em primeiro plano: Pedro Velho, Médico Senador, Governador do Rio Grande do Norte, abolicionista, líder político inconteste. Alberto Maranhão, bacharel em direito, Deputado Federal, Governador do Rio Grande do Norte duas vezes, visão larga, responsável pelo atual traçado da cidade, para o que mandou buscar engenheiros e arquitetos no exterior, espírito de mecenas mandando buscar, também no exterior, para apresentar no então teatro Carlos Gomes, companhias líricas, essencialmente italianas. Natal viveu, sob o governo de Alberto, uma época áurea. Fabrício, foi comerciante, agricultor e chefe político. Amaro Barreto estudou piano em Paris, de onde voltou casado. Foi professor da escola Nacional de Música do Rio de Janeiro. Entretanto desta ou daquela maneira, todos tiveram destaque nas letras, nas artes e na musica do Rio Grande do Norte. Cipião, o “maestro” tocava violino, fazia teatro e foi diretor do teatro Carlos Gomes. Luiz Carlos foi chefe político, agricultor e animador da vida de Canguaretama, onde sempre morou. Inês casou-se com Jovino Barreto, também líder político e primeiro industrial do estado.

Porque Severo foi também poeta? Para justificar mais essa qualidade, basta transcrever (o que vamos fazer em seguida) alguns trechos da carta em que Severo pede a D. Inês Perpétua Teixeira de Araujo que viria a ser sua sogra, a mão de Maria Amélia.

“Como recomendação única, levo o mais nobre, o mais santo de todos os sentimentos – flor do céu, que Deus permitiu a vida a terra – o Amor. Inspirou-me, sua boa filha D. Maria Amélia. Tão casto que já não poderei viver sem ele”.

Mais adiante, na mesma carta, fala Severo: “De meu pai, que a senhora bem conhece e de minha santa mãe, tenho pela aprovação; deles que de havê-la por filha não de orgulha-se, com o orgulho que não macula, que é antes um bom sentimento quando não leva egoísmo, porque lhe reconhecem todas as virtudes – flores d’alma, que na terra só é dado possuir à mulher perfeita”.

Severo casou-se com D. Maria Amélia. Do casamento nasceram 5 filhos: Augusto, Otávio, Berta, Sérgio – meu pai, a quem quer prestar aqui uma homenagem de saudade e de amor – e Mário. Somente Berta e Mário são hoje vivos. Ela Irmã Dorotea no Rio de Janeiro e ele desembargador aposentado em São Paulo. Sérgio meu pai que morreu em 19 de agosto de 1970 foi maior cultor e preservador da memória de Severo. Dele recebi o acervo (cerca de 700 peças entres objetos e documentos que hoje possuo) de Severo. Como uma homenagem aos dois, pai e filho, continuo lutando para que seja construído em Natal um museu do criador do “PAX”, que levou além das fronteiras o nome do nosso Brasil.

Maria Amélia, a esposa bem-amada morreu jovem, do parto de seu filho Mario Severo, forte, moço, sentimental e emotivo sofre enormemente a perda e, depois de algum tempo, seguiu faminto de vida em busca de um novo amor. Foi encontrá-lo em Paris. Chamava-se Natália, era italiana e desquitada. Severo uniu-se a ela e desse amor nasceu o menino que ele chamou de Augusto Natal Severo, como uma dupla homenagem: à terra berço e à mulher amada. Augusto Natal foi gerente do Banco Nacional de Turim, para onde regressou Natália depois da morte de Severo. Natália morreu de dor, pouco tempo depois de Severo e Augusto Natal morreu em 1955, em um desastre de trem. Além de suas funções de Gerente, era jornalista e líder de classe. Em 1958, tive a emoção de conhecer também em Turim, a sua esposa, minha tia Cesira, sua filha Giovana e suas netas Ângela e Augusta. Tia Cesira morreu em 1964.

Todavia, entre Maria Amélia e Natália, Severo, na sua ânsia de vida, terá tido um outro amor, que não conhecemos. Meu pai descobriu porque, tirando uma das gavetas de uma escrivaninha que pertenceu a Severo, encontrou escrito em baixo, com lápis azul, a data de nascimento, a data de morte e o numero da sepultura de um deu filhinho Pedro, que falecera em 1901, em Janeiro.

Assim era Severo que, se mais cedo houvesse nascido, teria sido um nobre, um corsário, um espadachim, um cruzado ou um menestrel.

Dos Albuquerques e dos Pedrozas, árvores de cujas raízes nasceu Severo, diz o Cancioneiro Geral, de Garcia de Rezende, Edição de 1516, de Lisboa, reproduzida pelo Dr. Von Kausler, em Stuttgart (Alemanha), edição de 1846:

 

As cinquo flores de lys

com quinas em quarteirão

Os Albuquerques trarão,

os que del rey dom Denys

trazem sua geração.

E por tocar tal estado

bem merece ser honrado

sangue, que tem tal mistura,

por tão honrada natura

dygno de ser nomeado.

 

PEDROZA

Huma aguea temerosa,

de quatro pedras cercada

no meio d’outra assentada

por armas dos Pedroza

antigamente foi dada.

Uierão de Inglaterra

com tenção, que nunca erra,

despender vida & tesouros

em ajudar contra Mouros

os Portugueses na guerra.

 

AUGUSTO SEVERO NETO
Natal – 1972
Diário de Natal – Sexta-feira, 20-7-1973

 
 Natal/RN - Brasil,