Instituto José Maciel

Sentinela da liberdade

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            Cipriano José Barata de Almeida nasceu em Salvador (1762) e morreu em Natal (1838). Ele não foi apenas um famoso jornalista na época da independência, mas concentrou em sua figura duas características paradoxais: a de ter sido um dos primeiros líderes políticos de âmbito nacional no país recém-independente e, ao mesmo tempo, possivelmente o preso político que mais tempo ficou detido na História do Brasil. Além de ter ficado detido um ano e meio durante a Conjuração Baiana (1798), Cipriano envolveu-se na República de 1817 em Pernambuco, esteve preso por ordem pessoal de D. Pedro I entre novembro de 1823 e setembro de 1830, voltando para as grades no período Regencial entre 1831 e inicio de 1834, o que da mais de 11 anos como prisioneiro.
                         Formado em filosofia na Universidade de Coimbra, eleito duas vezes deputado e iniciado ao Senado e até para Regente, Cipriano foi impiedosamente perseguido pelas forças conservadoras. Nas décadas de 1820-30 seu nome se tornou símbolo em várias províncias do país: do Pará e Maranhão ao Rio Grande do Sul, com ênfase no Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde suas pregações eram repetidas. Entre seus aliados estavam figuras como o legendário Frei Caneca, o presidente da Confederação do Equador (1824) Manoel de Carvalho Paes de Andrade, e o jornalista e tribuno Borges da Fonseca. Outros, de amigos pessoais se tornaram adversários ou até seus carcereiros, como José Bonifácio de Andrade e Silva, José da Silva Lisboa (visconde de Cairu) e o regente Diogo Feijó. Algumas das detenções de Cipriano causaram protestos pela imprensa, nos Parlamentos e nas ruas em diversas cidades, quando era chamado de “Campeão da Liberdade”, demonstrando o prestigio que desfrutou em vida.


               A partir de 1826 aumenta a liberdade de opinião e a oposição ao imperador, sobretudo através da imprensa e do Parlamento, momento em que o isolamento de Barata é interrompido na Fortaleza de Laje, graças a veementes protestos de deputados em plenário. Em 1829, Cipriano já se encontrava transferido para a Fortaleza de Santa Cruz, onde podia receber visitas, entrar em contato com os presos e militares e ter condições de escrever tal manuscrito. 
                         Na época da redação da dissertação, Cipriano Barata ainda não estivera detido numa presiganga – o que ocorreria três vezes, entre 1831 e 1833, quando ele publicaria alguns de seus famosos jornais Sentinela da Liberdade. Mas existem fortes indicações de que o texto de 1829 é de sua autoria: apresenta sintonia com o ideário, as oposições e o vocabulário político de Cipriano (dos quais, porém, ele não era o único portador); embora não tanto pela construção gramatical das frases. Teria havido aí nítida intenção de anonimato? É possível que sim, pois o contexto de 1829 era mais repressivo que o dos primeiros meses que sucederam a independência. E alguns dos temas e expressões utilizados nesta Dissertação foram literalmente retomados em textos assinados por Cipriano Barata. 
                         Da expressão inglesa press-gang, que significa pelotão de recrutamento, a presiganga citada no manuscrito é a Príncipe Real, construída em Portugal em 1771 e que serviu como navio-prisão entre 1808 e 1831 no Rio de Janeiro, depois de ter feito parte da comitiva que trouxe a Corte portuguesa ao Brasil. Era local de trabalho, de alistamento forçado e de punição, incluindo torturas e castigos corporais. Os presos eram degredados, galés (sentenciados a trabalhos forçados), recrutas, escravos em correção, prisioneiros de guerra e infratores militares, conforme a historiadora Paloma Siqueira Fonseca, autora de uma dissertação de mestrado sobre o assunto, na Universidade de Brasília. 
                         Existiram várias presigangas no período de a mais conhecida foi Palhaço, um brigue (antigo navio a vela), comandado pelo inglês John Grenfell, em cujo porão foram assassinados de uma só vez, em Belém do Pará 252 presos políticos que haviam lutado pela independência do Brasil, em 1823.

Marcos Morel é professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autor de Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade. Salvador: Academia de Letras da Bahia / Assembléia Legislativa do Estado, 2001.

 
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