O professor Max Cunha de Azevedo acaba de publicar o livro “Coronel Felinto Elísio – Ilustre Patriarca do Seridó”. Edição do autor, impresso na Gráfica e Editora Nordeste. Não é do seu feito fazer lançamento de seus livros. Prefere enviá-los aos amigos, como fez agora com este ensaio sobre seu avô, Felinto Elísio, um dos mais importantes patriarcas do Rio Grande do Norte, descendente dos pioneiros do Seridó, dos Azevedo Maia e Dantas Correia, troncos de uma enorme e rica árvore genealógica. Boa parte da história do nosso Estado está em suas raízes e se abriga em suas sombras. Criadores de boi, agricultores, plantadores de algodão, chefes políticos, administradores, fundadores de cidades e construtores de igreja, comerciantes, industriais, jornalistas, poetas, profissionais liberais, líderes. Um dos mais ilustres deles foi Felinto Elísio de Oliveira Azevedo. Entrou na política aos 18 anos, ainda no império, sucedendo ao pai, coronel Manoel Idelfonso de Oliveira Azevedo, que lhe entregou o comando do Partido Conservador. Isso foi coisa de 1870. Exerceu essa liderança por 73 anos. Foi deputado provincial na Monarquia, em dois mandatos, e deputado estadual na República por sete mandatos. Presidiu a Assembléia Legislativa do Estado e nessa condição, por duas vezes, exerceu, na interinidade, o Governo do Estado. Numa dessas vezes, recebeu aqui a visita oficial do Presidente da Republica, Arthur Bernardes. Max cita Câmara Cascudo, que fez o perfil de Felinto no seu centenário: “Evoco-o com sua calça inglesa, colete de traspasso, a clássica sobrecasaca impecável, tomando posse no Governo do Estado”.
O prefácio é de Manoel de Medeiros Brito, outro seridoense da melhor cepa, nascido também em Jardim do Seridó que foi fundada por um dos ancestrais de Felinto, Antônio de Azevedo Maia Junior. Brito diz como viu pela primeira vez, ainda menino (era coisa de 1938), o coronel. Ele rezava na missa dominical da igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição: “Em uma dessas ocasiões, vi aquele senhor alto, forte, idoso, de terno preto e gravata, orando piedosamente, durante o oficio a que juntos assistíamos (...) Anos mais tarde, em 1942, encontrei-o, mais uma vez, igualmente bem vestido, quando ele se dirigia à representação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, sediada no vetusto sobrado do Coronel José Thomaz, à procura de providências que acudissem a população do município, brutalmente atingida pela terrível estiagem que assolou todo o Nordeste naquele ano.”
Li o livro de uma tacada só. Agradável passeio pelo passado que proporciona também a rica pesquisa genealógica feita pelo doutor Max Azevedo, que foi bater nas primeiras raízes de sua gente, esses valorosos desbravadores e civilizadores de nossos sertões, eles próprios criadores de uma nova civilização. Deleito-me diante daquelas fotografias de antigamente, estampadas com gente bonita, homens e mulheres, elegantemente vestida. Poses tiradas no final do século 19 e poses repetidas no começo do século 20, avançando pelas décadas, todas seguindo rigorosamente a moda. Belas e preciosas fotografias. Numa delas a casa da Fazenda Sombrio, onde nasceu o coronel Felinto Elísio em 1852. Sombrio é um nome que acostumei a ouvir ainda muito moço, dos colegas de colégio vindos do Seridó, e mais tarde nas conversas da Ribeira com o poeta Antídio Azevedo, filho do patriarca, das conversas e discussões inesquecíveis com Salviano Gurgel, genro de Felinto Elísio, que ele venerava, e, também, com Alínio Azevedo, neto, que herdou e transformou Sombrio numa das referencias da pecuária norte-rio-grandense. A fazenda pertence hoje aos bisnetos do patriarca, Flávio, Haroldo e Maria Alice, filhos de Alínio.
No livro tem duas fotos da casa da fazenda Sombrio. Simples e austera como eram as sedes de fazenda. Três janelões na frente, porta de entrada pela lateral esquerda. Não tem alpendres. Ao lado, um pé de Craibeira (nada mais seridoense do que uma Craibeira). Na outra fotografia, várias pessoas na calçada, uma em pé, outras sentadas. Entre essas pessoas, diz a legenda, aparece Salviano Gurgel, já usando a sua inseparável gravata borboleta, chapéu na cabeça, terno de linho branco. Há, junto ao grupo, no pátio da casa, dois automóveis Ford-1924. Confiro o texto-legenda: Entre os fotografados, distinguem-se: sentado, à direita do grupo, o Coronel Felinto; em pé, à esquerda do grupo, de gravatinha de laço, Salviano Gurgel; ao lado de Salviano, sua esposa Alda, filha de Felinto; à direita desta, Adélia, e na janela, Áurea, também filhas de Felinto. Sentado na calçada. De chapéu e gravata, com uma perna passada sobre a outra, possivelmente, o coronel João Medeiros, que veio a ser o sucessor político do coronel Felinto.
Fazenda Sombrio
A fotografia é da coleção particular do médico Olimpio Maciel, genro do Coronel João Medeiros de quem ouvi muito dessas histórias seridoenses nas conversas vespertinas do escritório de Geraldo Ramos dos Santos, na velha Ribeira, o estuário de todos esses acontecimentos. O coronel, pai de Djalma e Edson, meus colegas de colégio. Orientado por Felinto, João Medeiros seguiu os passos do Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros, no Partido Popular e, mais tarde, na UDN. Teve papel decisivo na campanha eleitoral de 1960 que elegeu Aluízio Alves governador.
Uma das peças mais importantes do livro é o depoimento, de próprio punho, do coronel Felinto Elísio sobre a brutal agressão que sofreu da polícia no governo do interventor Mário Câmara, fevereiro de 1935. É um dos capítulos mais tristes e revoltantes da história política do Rio Grande do Norte. O coronel tinha 82 anos e foi espancado na Fazenda Sombrio. O caso teve ampla repercussão na imprensa do Estado e, também, no Rio de Janeiro, capital do país. Está em alguns livros da história de nosso Estado, mas nenhum deles, me parece, teve acesso a esse documento. Nem mesmo o escritor Edgar Barbosa, que escreveu “História de uma Campanha”, um livro fundamental para se entender como foi a campanha eleitoral de 1935 no Rio Grande do Norte.
O autor cuidou de guardar os papéis do avô. Ele conta: “À busca de subsídios para a elaboração deste trabalho, recorri a um livro de anotações manuscrito por Felinto, e que me coube guardar com carinho. Nesse livro, ele costumava colar recortes que extraía de jornais e revistas e que eram de seu interesse, ora contendo conceitos que lhe faziam bem ao espírito, ora falando sobre sua pessoa.” E acrescenta:
- Todavia, pelo significado histórico que encerra, reputo como matéria principal desta modesta obra as anotações escritas de próprio punho por Felinto Elísio, relativas ao bárbaro espancamento de que foi vitima inerme, em 1935, por motivo político, quando contava já 82 anos de idade. Nefando crime perpetrado pela guarnição da política militar, em Jardim do Seridó, contando com o apoio do Governo do Estado, a que fazia oposição.
O documento é impressionante. Riquíssimo em detalhes. No depoimento, entre tantos nomes citados, aparecem duas grandes figuras da cultura potiguar: o advogado João Medeiros Filho e o médico e poeta Esmeraldo Siqueira. Ambos escritores. O Dr. Esmeraldo foi quem prestou os primeiros serviços médicos à vitima. João Medeiros Filho, a época, chefe de política na Paraíba, acionou toda uma estratégia para denunciar junto ás autoridades federais, inclusive, a covarde ocorrência de Jardim.
Artigo publicado na Tribuna do Norte - 09/07/2006
Escrito por Woden Madruga
Os 150 anos de nascimento de
Felinto Elísio de Oliveira Azevedo
Excelentíssimas autoridades
Senhoras e senhores:
São minhas palavras iniciais para expressar o agradecimento e satisfação de que me acho possuído neste instante.
Agradecimento, pela especial deferência e subida honra a mim concedidas, ao ser convidado para falar aos meus conterrâneos, como orador oficial desta solenidade.
Satisfação, que sempre experimento ao voltar à minha terra, acrescida agora da comovedora circunstância de serem aqui condignamente comemorado os 150 anos de nascimento de Felinto Elísio de Oliveira Azevedo, meu venerando avô materno.
Com ele convivi pouco além dos meus 20 anos, tempo suficiente para auscultar-lhe os predicados de cidadão exemplar e legitimo patriarca, de sentir-lhe os atributos de amor à família e de extraordinária dedicação à sua terra, de admirar-lhe os elevados sentimentos de brasilidade e de respeito à coisa pública.
Na antiga casa-grande do sítio “Sombrio”, deste município, veio Felinto ao mundo, aos 29 de novembro de 1852, exatamente há 150 anos; ali, sob o mesmo teto, viveu ele os 91 anos de sua existência, e dali partiu para a eternidade, aos 11 de abril de 1944.
Após longo período de seca inclemente, chovia copiosamente à noite, na véspera de seu falecimento. Em um livro de anotações, fizera ele referencia às chuvas benfazejas que caiam, dando graça a Deus pela sua chegada, a fim de redimir do sofrimento as populações nordestinas.
Suponho tenha ele morrido de emoção, porque se sentira mal, nas primeiras horas do dia seguinte, logo após ter ido olhar de perto a sangria do açude, ao lado da casa de sua residência.
Quando Felinto nasceu (1852), ainda não existia o município de Jardim do Seridó, somente criado 6 anos após (1858).
A fazenda “Sombrio” era encravada na povoação de Conceição do Azevedo, criada por Antônio de Azevedo Maia Júnior, bisavô de Felinto, para cujo patrimônio e construção de uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição doou os terrenos necessários.
Conceição do Azevedo deu origem a esta bela cidade, onde tive o privilégio de nascer e da qual muito me, orgulho.
Antônio de Azevedo Maia Júnior, bisavô de Felinto, é, portanto, o fundador de Jardim do Seridó.
Luis da Câmara Cascudo, grande historiador potiguar, no livro intitulado “Uma Historia da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte” dedicou a Felinto Elísio duas páginas e meia da obra. Ele afirma que Felinto era o herdeiro natural das tradições locais, quer pelo sangue, quer pela inteligência vivaz, pelo espírito de trabalho, pela continuidade residencial, quer por sua hospitalidade, sua alegria, sua altivez, sua honestidade.
Posso eu aqui dizer que era ele pessoa muito bem informada acerca de tudo da atualidade do seu tempo, pois ali muito, assinando os principais jornais do pais, que recebia com atraso, mas que os lia de ponta a ponta.
Lembro-me de que, certa vez, ainda adolescente, passando férias na fazenda, ele me pediria, ao vir à cidade, para que recebesse do Correio a correspondência que lhe era destinada, constituía sobretudo de jornais. Num desses jornais, uma noticia me despertou a atenção. Tratava da contratação, por um clube de futebol de São Paulo, do grande craque da época, Leônidas da Silva, craque que se notabilizou por ter sido o criador daquela jogada que ficou conhecida por bicicleta, e que continua arrancando os aplausos das torcidas. Leônidas consagrou-se e veio a se tornar universalmente conhecido por ocasião da Copa do Mundo de 1938, na França, quando recebeu a alcunha de “Le Diamant Noir” – o Diamante Negro.
Chamado para jantar, após ter lido os jornais, vinha Felinto irritado, reclamando contra a contratação de um individuo, por alto preço, para dar pesada nos outros. Este fato, certamente, não caberia neste discurso, mas foi citado para mostrar que Felinto lia mesmo os jornais de ponta a ponta, como afirmei.
A passagem de Felinto pela política do Estado foi altamente relevante, razão por que se tornara um marco na história do Rio Grande do Norte.
De todas as ilustres figuras do Estado que se ocupam da sua personalidade só recebeu os mais consagradores elogios.
Por isso, mais do que eu, que poderia ser considerado suspeito, são essas figuras que vão principalmente falar sobre o homenageado, através de tópicos por mim transcritos.
As atividades políticas de Felinto Elísio tiveram inicio quando seu pai – Manoel Lidefonso de Oliveira Azevedo, transferindo residência para Campina Grande, na Paraíba, entregou ao filho, então com 18 anos, a chefia do Partido Conservador local.
“Felinto manteve coeso e disciplinado o seu colégio eleitoral até morrer em 1944”, escreve Cascudo.
E eu acrescento: - Foram, na verdade, 74 anos de liderança política, sem nunca experimentar o dissabor da derrota eleitoral.
São ainda de Cascudinho as palavras que seguem, relativas a Felinto.
“Foi Deputado Provincial nos biênios 1876-77 e 1882-83”.
“Na República, foi Deputado Estadual em sete legislaturas”.
“Nove vezes Deputado, no digno total”.
“Morreu mandando no seu eleitorado, constituído de amigos, de compadres, de fiéis. Tinha o domínio do coração afetuoso, do serviço pronto, da dedicação espontânea. Como a maioria dos nossos antigos chefes políticos, viveu e morreu pobre. Sua força era moral,todos que dele necessitavam”.
“Se quinhentas vezes houvesse eleição para deputado, quinhentas vezes Felinto Elísio voltaria a Natal eleito, diplomado, com maioria indiscutível e real”.
“Alto, forte, grande conservador, apesar da gagueira que nele era um traço de graça peculiar, era um dos grandes sabedores da história política da Província do Estado. Amigo íntimo do meu pai, meu amigo pessoal, - continua Cascudo – foi informante indispensável para os meus estudos, vindo a Natal especialmente prestar-me sua colaboração preciosa”.
O Dr. Juvenal Lamartine foi, dentre outros, mais um a escrever sobre Felinto. Afirmava que “Sua firmeza e lealdade política não lhe diminuíam a cordialidade com que travou. Seus adversários sempre o acataram e nele reconheciam um homem de elevadas qualidades morais e um espírito aberto às idéias de progresso de sua terra, que amava quase com idolatria”.
O respeito recíproco que existia no seu relacionamento com os adversários era realmente uma das facetas da personalidade de Felinto, pela qual recebia elogios. Esse respeito só lhe faltou durante o clima de terror implantado pela interventoria federal, assunto de que me ocuparei adiante.
Ainda Câmara Cascudo, dizia sobre Felinto: “Ficou famoso como Promotor Público, 1885 e 1891-96, enfrentando os advogados da capital, taco a taco, ombro a ombro, de igual para igual”.
A propósito, meu pai, Antídio de Azevedo, sobrinho e genro de Felinto, numa plaquete que escreveu, com o título de “Um Patriarca do Seridó”, relata que, quando promotor, Felinto tomou parte em um julgamento, cujo réu era um cidadão de conceito, tendo como advogado o Dr. Medeiros – Dr. Manoel Augusto de Medeiros, médico e fluente orador. Aquela época, nem sempre essas atividades eram exercidas por graduados em Direito. O Dr. Medeiros era adversário político de Felinto, mas seu amigo particular, até porque tinha um irmão – Ambrósio, que era cunhado de Felinto. No júri, a discussão se tornou acalorada, os dois se enfureceram, o sangue lhes subiu a cabeça , deixando nos presentes a impressão de que, após a sessão, eles iriam defrontar-se fisicamente. Terminando o julgamento, o que ocorreu é que eles se abraçaram efusivamente, dizendo o Dr. Medeiros: “Felinto, você é um carrasco!”.
Apesar do seu prestígio e das posições a que ascendeu no cenário político, Felinto era homem simples e humilde. É o que se depreende das palavras a seguir, ainda de Câmara Cascudo:
“Deve estar no Céu, pela pureza, limpidez, bondade e afeto de sua grande alma generosa. E talvez tenho dito a São Pedro o que me disse, gaguejando, quando o saudei no Palácio do Governo: - Veja você onde puseram este matuto...”
Felinto Elísio era católico praticamente, decidido, fazendo questão de assim parecer. Disso dava provas em todas as ocasiões; rezava o terço em sua fazenda com os moradores; sentia orgulho em proclamar a sua religiosidade; obedecia com todo respeito aos ensinamentos da religião que abraçara.
À época do império, a igreja católica mantinha certo vínculo de dependência ao imperador Pedro II.
Dom Vital era bispo em Pernambuco, e por manifestar divergência com decisões do imperador em sua área de atuação, foi por isso preso e suspenso de ordens.
Pois bem, informa ainda Câmara Cascudo que Felinto viajara a cavalo de Jardim a Recife, para prestar sua solidariedade ao prelado. E quando Dom Vital foi pelo imperador anistiado, fez ele novamente a mesma viagem, com igual finalidade.
Poderia ser interpretada como imprudência de meu bisavô, Manoel Lidefonso de Oliveira Azevedo, passar a Felinto a chefia do Partido Conservador, quando tinha ele apenas 18 anos. Felinto, no entanto, ainda jovem, já era homem de determinação. Essas duas viagens que realizou a Recife ocorreram no inicio de 1874, donde se conclui que, tendo nascido em 29-11-1852, tinha ele aquela época apenas 21 anos, mas já revelava grande capacidade de liderança.
Gostaria que somente glórias houvesse a contar ao longo da existência de Felinto Elísio. Tenho, todavia, a registrar também um fato sumamente desagradável e chocante. Refiro-me a um espancamento de que foi ele vitima, aos 82 anos, quando o Estado se encontrava sob o regime de intervenção federal.
No governo Getúlio Vargas, em 1933, foi nomeado interventor no Rio Grande do Norte o Sr. Mário Leopoldo Pereira da Câmara, que era alto funcionário do Ministério da Fazenda e auxiliar direto do presidente da República.
Era Mário Câmara filho do Sr. Augusto Leopoldo Raposo da Câmara, que fora vice-governador do Rio Grande do Norte, de 1924 a 1928, quando era governador o Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros.
Aqui chegando, o interventor Mário Câmara buscou o apoio do Partido Popular, que era liderado pelo Dr. José Augusto, não, tendo sua tentativa logrado êxito, em face de o partido, por divergência doutrinária, não haver aprovado o acordo.
Em face disso, Mário Câmara, que era o Partido Social Democrático, aliou-se ao Partido Social Liberal, liderado pelo jornalista João Café Filho. Ficou, assim, constituída a Aliança Social Liberal, em oposição ao Partido Popular.
A constituição Federal de 16 de julho de 1934 determinava eleições em todo o pais, 90 dias após sua promulgação, isto é, em 14 de outubro de 1934, para a Câmara Federal e Assembléias Legislativas Estaduais, cabendo a estas eleger por voto indireto os dois Senadores e o Governo do Estado. Foi o que aconteceu em todos os Estados da Federação, menos no Rio Grande do Norte.
Aqui, o Partido Popular conquistou nessa eleição expressiva maioria. Os nossos deputados estaduais, entretanto não puderam assumir seus mandatos, porque o interventor Mário Câmara interpôs recurso, aceito pelo Tribunal Regional Eleitoral, no sentido de impugnar as eleições em municípios onde o Partido Popular tivera maioria, na tentativa de reverter o resultado em seu favor.
O Tribunal Superior Eleitoral revogou a sentença do Tribunal Regional, e determinou a realização de eleições suplementares, que vieram a ser marcadas para fevereiro de 1935.
Pressentindo a derrota que teria a Aliança Liberal, nessa e noutras eleições, o interventor Mário Câmara pôs em prática um plano de compressão eleitoral, com o propósito de criar um clima de terror quem impedisse o livre exercício do voto.
Abdicando de sua autoridade, deixou-se envolver pelos aliados, permitindo que se instalasse no Estado campanha da mais cruel perseguição aos adversários, representada por toda sorte de atrocidades, inclusive assassinatos.
Tais arbitrariedades se desenvolveram ao longo dos anos de 1934 e 1935.
De todos os desatinos, o mais chocante foi sem dúvida perpetrado contra a pessoa do Dr. Otávio Lamartine de Faria, trucidado no alpendre da fazenda Ingá, em Acari, na presença da esposa e de três filhos pequeninos, um deles de poucos meses.
Era o Dr. Otávio Lamartine descendente de família de tradição, filho do Dr. Juvenal Lamartine, que fora presidente do Estado.
Acrescente-se que o ato criminoso, praticado a 13 de fevereiro de 1935, quatro dias antes das eleições suplementares daquele município, ocorreu na ocasião em que o Dr. Otávio exibia aos policiais uma ordem de “habeas corpus” preventivo contra sua prisão.
Vitimas da criminalidade, e num total de sete assassinatos, foram ainda executados: o coronel Francisco Pinto, em Apodi; Francisco Bianor, em Areia Branca; Miguel Borges, em São Miguel; outro em Lages; e até dois outros, em Açu, quando comemoravam a eleição do governador Rafael Fernandes.
Ao mesmo tempo, sempre com vistas a implantar o pavor, outras pessoas eram espancadas, presas, ameaçadas, insultadas, ou intimadas a comparecer a delegacia de policia. Algumas tinham que pagar aos bandidos, para não serem sacrificadas.
Felinto Elísio foi uma das vitimas das atrocidades, sendo impiedosamente espancado pela Polícia, aos 82 anos de idade, em sua Fazenda “Sombrio”, deste município em cuja casa se encontrava naquela ocasião apenas ele e uma empregada doméstica, pois toda família participava do casamento de um parente, noutra propriedade.
A brutalidade foi tal que Felinto só não morreu porque aquela não era a sua vez.
Naquele dia, eu também estava na fazenda, não tendo presenciado a selvageria porque no momento não me encontrava em casa. Mas, quando ali cheguei, ainda avistei os bandidos que se retiravam a cavalo.
Os desmandos, contudo, não impediram que o pleito suplementar se realizasse e que o Partido Popular confirmasse o seu favoritismo, elegendo a maioria dos deputados estaduais, inclusive Felinto.
O ambiente era tal que os deputados recém-eleitos pelo Partido Popular tiveram que se asilar na Paraíba, onde permaneceram até que chegasse o dia da posse e da instalação da nova Assembléia, garantidos pela Força Federal, chefiada pelo General Manoel Rabelo, comandante da 7º Região Militar, com sede em Recife.
No dia 29 de outubro de 1935, foi instalada a Assembléia, com poderes constituintes, sendo realizada a eleição indireta para o Governo do Estado, com a vitória do Dr. Rafael Fernandes Gurjão, e eleitos para o Senado Federal os Drs. Eloy Castriciano de Souza e Joaquim Ignácio de Carvalho Filho, que obtiveram 14 votos, contra 11 dos deputados ligados à Aliança Liberal. Convém ressaltar que o Dr. Joaquim Ignácio de Carvalho Filho fora antigo juiz de direito desta comarca de Jardim do Seridó.
Há cerca de oito anos (maio de 1984), o seminário “Dois Pontos” trouxe à tona o espancamento de Felinto, entrevistando a respeito algumas pessoas que tinham servido ao governo Mário Câmara, as quais procuravam inocentá-lo das atrocidades.
Para nossa surpresa, uma dessas pessoas declarou que o espancamento de Felinto Elísio era “uma inverdade”, “nunca ele foi espancado”, “não foi sequer corrigido” (sic).
Em face disso, senti-me obrigado a dirigir carta ao mesmo jornal, com pedido de publicação, carta em que contestava com firmeza tal declaração, que qualifiquei de estapafúrdia, insinuando que aquela afirmativa só se poderia explicar como decorrente de fragilidade mental.
É que, não só eu me encontrava na fazenda “Sombrio”, no dia do sinistro, como sou depositário de um livro manuscrito deixado por Felinto, em que ele relata com detalhes todo o ato criminoso.
Além disso, o acontecimento era público e notório, amplamente divulgado pela imprensa do país, e descrito minuciosamente pelo Dr. Edgar Barbosa, em seu livro “História de uma Campanha”.
Na carta, dizia eu:
“Devo adiantar que, na tarde do atentado, ou seja, do dia 16 de janeiro de 1935, então com 13 anos de idade, eu me encontrava passando férias escolares na fazenda “Sombrio”. Por isso, fui uma das primeiras pessoas e experimentar o doloroso impacto de entrar em contato com o meu avô, após o suplício a que foi submetido.
Totalmente arrasado, pálido, cansado, visíveis no rosto das marcas da agressão, o lábio sangrando, as vestes rasgadas, era Felinto a própria imagem do acabrunhamento, a dizer-me, trêmulo: meu filho, quase me mataram!”
Para quem, como eu, guarda ainda bem nítida na lembrança a terrível impressão do quadro descrito, é profundamente chocante a afirmativa de que tudo isso “é uma inverdade”.
Perplexa e estarrecida, a nossa família teria motivo para sentir-se ofendida e indignada, não fora a convicção de estar diante de um lastimável lapso de memória, explicável em algumas pessoas de idade avançada.
Sobre o espancamento sofrido por Felinto, algumas pessoas me perguntavam se não tinha ele pensado em vingança.
Cel. Felinto Elisio de Oliveira Azevedo
E eu respondo.
Duas netas suas, em João Pessoa, eram casadas com pessoas de influência. Uma pessoa do Dr. Odon Bezerra Cavalcanti, que veio a ser interventor na Paraíba. Outra, casada com o capitão Adauto Esmeraldo, inteligente oficial do Exército, que gozava de conceito nas forças armadas.
Os parentes da Paraíba, profundamente chocados com o bárbaro acontecimento, chegaram a cogitar de vindita, o que poderia ser feito através da polícia daquele Estado.
Felinto, entretanto, numa demonstração de humildade e de grandeza de espírito para com os seus algozes, desaprovou que qualquer medida fosse adotada nesse sentido, por achar tal atitude incompatível com os princípios da religião que professava com ardor.
Felinto Elísio foi inegavelmente um exemplo de dignidade, de honradez, de correção. É o que dizem todos que o conheceram de perto e falaram sobre sua pessoa.
Segundo o Dr. Juvenal Lamartine, foi Felinto “chefe de família exemplar, de honradez proverbial”.
O jornalista e professor Edgar Barbosa via nele “uma das expressões mais respeitáveis da dignidade e do caráter seridoenses, varão sob todos os aspectos venerável”.
Já para o advogado e professor Rômulo Wanderley era ele “uma das reservas morais que vinha da Monarquia, honrando uma estirpe respeitável de patriarcas”.
O governador José Augusto Bezerra de Medeiros, no livro “Seridó” – volume 1 – pág. 137, edição de 1954, no capítulo sobre os “Azevedo Maia”, refere-se a Felinto e a outros membros da família Azevedo.
Ali ele declara que Antônio de Azevedo Maia Junior, bisavô de Felinto, deixou traços de seu espírito progressista e de sua influência benéfica, tendo fundado uma povoação, Conceição do Azevedo, para cujo patrimônio doou os terrenos necessários.
No mesmo capítulo, o Dr. José Augusto escreve ainda as palavras que seguem, com as quais desejo encerrar esta minha oração.
“A família Azevedo Maia tem dado ao Seridó muitos filhos de grande projeção na política, na vida econômica e na sociedade.
Nenhum, até hoje, porém, excedeu em dedicação à causa pública ao coronel Felinto Elísio de Oliveira Azevedo, bisneto do patriarca de Jardim do Seridó, nascido em 29 de novembro de 1852.
Político militante durante mais de cinqüenta anos, chefe de prestígio muito grande no município que lhe serviu de berço, Felinto Elísio representou sua terra em diversas legislaturas na Assembléia Provincial, durante o regime monárquico, continuando na República a receber do povo a delegação de confiança, em face da qual foi por vezes elevado à presidência do Congresso do Estado.
Também por duas vezes ocupou interinamente o governo do Rio Grande do Norte.
E continua o Dr. José Augusto:
“Pode dizer-se sem exagero que, por muitos decênios, Felinto Elísio participou como elemento de consulta e decisão de todos os fatos de saliência na vida política da terra potiguar.
A sua palavra foi sempre ouvida e o seu conselho, indefectivelmente prudente e patriótico, sempre acatado e seguido.
Prestigioso, leal, digno na vida pública, irrepreensível na vida doméstica, Felinto Elísio foi bem um verdadeiro e legítimo patriarca seridoense”.
Senhoras e senhores:
Com estas palavras, procurei oferecer a melhor contribuição ao alcance da minha capacidade, para desincumbir-me na honrosa e prazenteira missão que foi atribuída de lhes falar neste ensejo.
Agradeço, mais uma vez, as atenções a mim cumuladas, bem assim a presença das autoridades, e de todos quantos aqui compareceram e tiveram a tolerância de ouvir-me.
A todos, meu mais sincero reconhecimento.
(*) Discurso proferido pelo Prof. Max Cunha de Azevedo, na Câmara Municipal de Jardim do Seridó, em 29 de novembro de 2002, na qualidade de orador oficial da sessão solene de encerramento das comemorações dos 150 anos de nascimento do coronel Felinto Elísio de Oliveira Azevedo.
Obs. – Compuseram a mesa da sessão solene, dirigida pelo professor Jônatas Azevedo, presidente da Câmara Municipal, o prefeito Patrício Joaquim de Medeiros Júnior, o vereador Mozart dos Santos Medeiros, vice-presidente da Câmara, o padre Emanuel Medeiros de Araújo e o professor Max Cunha de Azevedo, orador oficial.
Anotações sobre as eleições de 14 de outubro de 1934 e eleições suplementares de 1935.
Segundo consta no livro “História de uma Campanha”, do Dr. Edgar Barbosa, cada dia que se aproximavam as eleições de 14 de outubro de 1934, a situação se tornava mais intranqüila.
E encerradas, em 23 de novembro de 1934, as apurações das eleições de outubro, as violências continuaram.
Felinto Elísio foi agredido, em 16 de janeiro de 1935, antes da eleição suplementar de Jardim do Seridó, marcada para 10 de fevereiro de 1935.
O Jornal “A Razão”, que noticiava as matérias do interesse do Partido Popular, foi empastelado duas vezes – em 29 de novembro e 29 de dezembro de 1934.
(Anotações que, por um lapso, deixaram de constar do discurso).
NotaUma semana após ter pronunciado um discurso na Câmara Municipal de Jardim do Seridó, recebi do professor Claudio Galvão, brilhante ex-aluno, depois ilu
stre colega da UFRN, a preciosidade que vê ao lado.
Leia-se:
No titulo, SETEMBRO DE 1858;
No artigo 1º. Povoação da Conceição do Azevedo.
Max e Olimpio Maciel
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