Instituto José Maciel

Discurso pronunciado pelo Dr. Januário Cicco, em Sessão Magna da Sociedade de Assistência Hospitalar, em homenagem a memória do Dr. Jacob Volfzon em 12 de Agosto de 1951

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Doutor Jacob Volfzon.

Discurso pronunciado pelo doutor Januário Cicco em sessão magna da Sociedade de Assistência Hospitalar em homenagem à memória do doutor Jacob Volfzon, em 12 de Agosto de 1951, trigésimo dia do seu passamento.

Ex.mo Senhor Governador do Estado,
Ex.mo Senhor Prefeito da Cidade do Natal,
Senhores Israelitas,
Senhor Leon Volfzon.

               Não fugi ao cumprimento do que se me atribuiu, porque vem sendo esta a trilha do meu destino, em cujo percurso hei sentido mais amarguras, que ouvido sonoridades de harpa.
               Ninguém deve eximir-se de cumprir o seu dever, e se este é árduo, faço-o, mesmo assim, porque o espírito coletivo dará indulgências, quer se exalte o humilde, ou se enalteça a celebridade.
               Disse Shakespeare que “quando os mendigos morrem nenhuma estrela aparece”.
               O sentido filosófico desta expressão, na sua essência, não incide na parte incorpórea do homem, porque a alma do mendigo, ou a do opulento, engasta-se no planetário da imortalidade, em qualquer das suas constelações.
               A sabedoria humana jamais alcançará os páramos do transcendentalismo; e essa força desconhecida, atribuída a Deus, não é regida por nenhuma lei cósmica, na universalidade dos seres e na pluralidade dos mundos.

Senhores:

               O mistério da criação constitui ainda e sempre um indevassável segredo, dado que escapa à nossa concepção o ilimitado poder da onisciência.
               Presume-se que um sol milhares de vezes maior que este que nos dá vida, luz e calor, em dado momento, deflagrara, pela explosão do hidrogênio que gerara no seu interior, e atirados os fragmentos aos espaços, foram eles a pouco e pouco resfriando, constituindo várias estrelas e plantas, dentre eles a terra.
               Séculos depois, do mar profundo, cujas águas provieram e foram condensadas pelo resfriamento do planeta formando mares e rios, nasceu a primeira célula que, através de outros tantos séculos de transformação, deu o Pithecantropus erectus.
               É mais salutar ao espírito e consentâneo acreditar no Poder de Deus criando os mundos, juntando as maravilhas na natureza viva e sua obra-prima, que é o Homo sapiens.
               Assim formado o mundo, quando o homem primitivo, estático e inquieto, compreendeu a sua própria existência, viu-se à borda das cavernas, olhando o infinito das alturas, a imensidão dos mares e do Nilo, e sentiu que dentro de si havia um quer que fosse de espiritualidade.
               No instante em que o troglodita conheceu a sua personalidade, inquiriu de si para si, como e por que viera à terra; por que pulsava-lhe o coração e as ideias o impeliam à caça, à pesca e à morte?
               Diante do espetáculo que a natureza virgem revelou-se a seus olhos, na irregularidade da superfície da terra, cheia de depressões e elevações, ignorava por certo que tais acidentes eram favoráveis à conservação da vegetação e da vida animal, porque si a terra fosse igual em toda a sua superfície, sem colinas e montanhas donde correm as águas que entretêm a verdura e a beleza dos prados e onde os animais encontram subsistência, um triste mar cobriria a terra toda e o nosso globo nada mais seria que um planeta obscuro, senão um mar profundo.

Senhores:

               Com essa finalidade, previsão e sabedoria, o caso não teria reunido os fatores da vida neste planeta. No mundo físico, essas irregularidades constituem a cadeia harmônica para a nossa supervivência; e só a suprema força, Deus de todas as raças, teria a previsão de dar à terra os mananciais que afirmariam a existência de um Deus Único.
               Assim, por indução, no âmbito do ecletismo, cabem nas leis da relatividade, fórmulas, ou termos comparativos entre os seres vivos e a natureza morta.
               Aos prosadores e poetas, permite-se certa liberdade de linguagem, estabelecendo paralelismos literários, às vezes chocantes.
               Nesse conforto, os altos e baixos da emotividade, assemelham-se à natureza agreste, na tonalidade de suas manifestações.
               Montes e vales, montanhas e prados, outeiros e campinas, colinas e vergéis, oásis e o mar indômito, comparam-se, por eufemismo, às paixões, aos arrebatamentos da cólera, às agruras do sofrimento, à cadência de um sorriso, à carícia de um beijo de filha, à saudade de um extinto, que se foi para o Reino de Deus, de Osíris, de Jeová.
               O carvalho que o raio abateu, deixando sem sombra a corsa e sem ninhos a passarada; o mar profundo, que tragou ilhas habitadas, deixando à mercê das ondas cadáveres sem conta; o vulcão que comburiu regiões e cobriu de lavas léguas em derredor, esterilizando e destruindo, poderão exprimir a fúria e os ímpetos das nossas emoções, nas arrancadas do desespero.
               A lágrima que desce pela face descorada da esposa amantíssima; o soluço que se escuta no estertor de uma queixa de mãe; a saudade que punge o coração da filha amantíssima; a desesperança que abate o pai torturado pela perda do seu ídolo, são frutos dessa mesma sentimentalidade que Deus imprimiu na consciência da humanidade, para que o homem possa levantar os olhos da materialidade e oferecer o seu sacrifício pela paz espiritual do mundo.
               O determinismo criador estabeleceu para os sentidos o sistema cérebro-espinhal, de cujo centro parte, por via motora, a resposta à vibração exterior.
               A seletividade dessa mecânica admirável, dando resposta às impressões recebidas, explica por que o animal se adverte do perigo, ou sente alegrias e mágoas. Por uma licenciosidade literária, pode-se estabelecer uma filosofia eclética, no sentido de dar aos seres vivos termos de comparação com a natureza morta. Assim, se nos fosse possível entender os animais inferiores, na sua linguagem arrulhada, cantada, ou soletrada em tonalidades de tragédia, ou de carícias, talvez entendêssemos as lamentações da pomba solitária, em cujo ninho outrora tantos segredos contara ao companheiro desaparecido.
               Se nos fosse dado traduzir as modulações de tristeza que a cotovia emite na ramaria densa, espreitando o companheiro, que se desuniu numa nova conquista encontraríamos pro certo a similitude do sentimento universal.
               Para não alongar digressões, sabe-se que na animalidade, o instinto de conservação é o propulsor dessa afetividade que tanto nos sensibiliza.
               Os felinos defendem a sua prole, o castor constrói abrigos flutuantes longe das margens dos rios, para fugirem às investidas de extermínio.
               Entre os homens é razão dominante tentar resolver todos os problemas sociais sem pelejas, ainda que o espírito continue acionando máquinas de extermínio para a dizimação nos continentes.
               É verdade que as civilizações vêm tentando estabilizar a vida entre os homens; mas a verdadeira verdade só se encontra na morte.

Senhores:

               Nos começos do mundo, quando o homem sentia-se enfermo, o instinto de conservação obrigava-o a permanecer na caverna e, dada a morte, o corpo era levado a lugares reservados ao fim eterno, conforme o ritual de cada tribo.
               Os nômades das remotas planícies asiáticas compunham hinos para a celebração de feitos heróicos, como verdadeiras nênias para o sepultamento dos seus guerreiros. Era tradição vinculada na história de todos os tempos, consagrando-se homenagens àqueles que espargiram benefícios polimorfos em derredor do seu corpo.
               Esse respeito que se tributa à morte reflete-se em todas as camadas sociais, descobrindo-se, por exemplo, o transeunte quando, à sua frente, passa um cortejo fúnebre, levando à necrópole um simples desconhecido. É a magia do além convidando à meditação e à oração o caminheiro que, na estrada, encontra uma cruz erguida, lembra que ali alguém ficou no seu ultimo sono.
               Se fosse possível provar integralmente a verdade da imortalidade da alma, sem deixar nenhuma dúvida, os demais mistérios do Eterno estariam, por sua vez, esclarecidos e, então essa Divindade que nos deu as maravilhas que adoramos, seria igual aos deuses da barbaria.
               A espiritualista aceita o dogma, crê e ajoelha-se ante Aquele que cerra os olhos na terra, para ver melhor a Luz na Seara do Senhor.
               Destarte, esta homenagem que prestamos à memória de Jacob Volfzon, cinge-se ao fundamento da sua personalidade, é verdade; mas incide na essência que iluminou o seu espírito, convertendo em boas ações os benefícios que prestou à nossa instituição e à pobreza do nosso Estado.
               A odisséia de Chactas, em Atalá de Chateaubriand, é uma página de irradiante piedade, quando Chactas, seguido pelo Ermitão, leva aos ombros o cadáver da sua amante virgem, para sepultá-la nas fraldas da montanha. É uma lição de amor imaculado, vivido nas parábolas do Evangelho. É ainda a história do homem no seu retorno ao seio da terra comum. É também a sinfonia da saudade, cantada pelos acordes da sensibilidade humana quando, para sempre, desaparece do nosso convívio a pessoa amada. É a lei imutável, inexorável e eterna, na execução do Memento quia pulvis est .
               Margeando os séculos, o homem vem alterando o ritual do após-morte, e as religiões de todos os credos na sua hermenêutica e simbolismo, asseguram o princípio da imortalidade da alma, para cuja ascensão ao Paraíso impunham os egípcios o embalsamento, porque a conservação da forma humana era condição para a ressurreição.
               Universalmente, pois, a terra abre-se num quinhão de partilha para esconder da profanação a obra que Deus modelou, segundo a sua imensurável Sabedoria, fazendo voltar ao seio da terra a sua obra-prima, em cuja fisiologia Ele imprimiu movimento e vida, que ainda agora tem mistério para a inteligência humana.
               Ontem como hoje, a vida está na sua grande plenitude, e os conceitos filosóficos decorrentes da instabilidade do homem na terra fixam apenas Deus e a personalidade de quem lutou pelo bem, pela humanidade, imortaliza-se na memória da coletividade, na história dos tempos no recesso do lar, custodiada na saudade do esposo, do amigo, da filha, daqueles que nos deixaram carpindo mágoas que se não acabam.
               Para a comunhão dessa saudade é que estamos aqui reunidos, num preito de homenagem ao companheiro, ao colega, ao amigo, ao médico bondoso, que foi Jacob Volfzon e D. Maria Volfzon, o inditoso Jacob Volfzon era formado pela Faculdade de Medicina da Bahia e pertenceu à turma de 1938.
               Foi interno da Clínica Oftalmológica do Hospital de Santa Izabel, em S. Salvador, onde deixou entre os seus pares a estima e o conceito de um estudioso e homem do bem.
               Iniciando a vida clínica, foi oftalmologista do Hospital de Mossoró, no período de 1939 a 1942.
               Prestou serviços da sua especialidade no Hospital Militar de Natal, de 1942 a julho de 1944.
               Era Médico do quadro permanente do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Transportes e Cargas.
               Foi médico assistente da Clínica Oftalmotorrinolaringológica do Hospital Miguel Couto, de 1944 a 12 de julho de 1951, data do seu falecimento.
               Tinha o Certificado de Habilitação do Conselho Nacional de Oftalmologia. Foi relator do tema “Aspectos atuais da socialização da Medicina”, no 3° Congresso médico-social brasileiro, realizado em Porto Alegre, em outubro de 1947. Possuía certificado do Professor Jorge Malbran, do Instituto Pedro Lagleze, de Buenos Aires.
               Publicou um trabalho sobre “Grande pólipo de Killian”, em criança de 13 anos na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, em dezembro de 1946.
Publicou ainda, nas “Seleções Médicas”, um trabalho sobre “Tirotricina em Oftalmologia”, em 1946. Editou outro estudo sobre “Atrofia pós-neurítica recidivante durante a gravidez”, com amaurose bilateral, na “Resenha Médica”, em Dezembro de 1940. Produziu mais outro estudo sobre “aeronáutica e visão”, editado nos “Anais da Sociedade de Medicina e Cirurgia”, do Rio Grande do Norte, em Agosto de 1943.
               Esta demonstração de efervescência intelectual, no arrojado esforço de contribuir para o progresso das nossas letras e da ciência médica, vem mostrar os desígnios da sua natureza e da sua formação moral, contribuindo com o melhor das suas forças para a grandeza da profissão que abraçou o nosso colega e amigo Jacob Volfzon.

Senhores:

               Este seu curriculum vitae assinala a via crucis por onde andou sua inteligência, deixando na história da medicina, em nosso meio social, marcos irremovíveis e por cujos benefícios andam os lares cheios de gratidão e saudade do medico desaparecido.
               A Sociedade de Assistência Hospitalar, aqui reunida em sessão magna, com a colaboração da classe médica e participação da assistência ilustre que nos escuta, está, nesta hora de saudade, no trigésimo dia do passamento do inditoso Jacob Volfzon, oferecendo à sua memória as homenagens a que tem direito, pelo conceito que conquistou no seio da sua classe, no ambiente do nosso meio social, como no reduto hospitalar, onde todos o estimavam.
               O predicado, ou virtude de maior expressão de dignidade humana é a caridade.
               Os teólogos ensinam que a maldade veio com o pecado original e, inata em toda a humanidade, nenhuma civilização conseguiu erradicá-la da vida material.
               São Thomaz de Aquino, o maior dos teólogos de todos os tempos, cuja doutrina tomou a denominação de tomismo, adverte que aquela virtude, a caridade, consubstancia a Esperança e a Fé, porque é ela o fundamento dos demais esteios da moral.
               Ninguém ignora que a Divina Comédia é a história psicológica da humanidade; e quando Dante, pela mão de Virgílio, visitou o Purgatório e o Inferno, foram, ambos, ao mais profundo abismo, onde morava Lúcifer, congelado nas neves perpétuas, cercado de réprobos, rodeado pelos traidores, como por aqueles que, por inveja e maldade inata, atiraram lama à própria Divindade.
               Desse simbolismo, concebe-se que a paz espiritual conquista-se na pratica do amor ao próximo.
               Esse sentimento pregado por todos os credos religiosos, o amor ao próximo, está nos preceitos em que Hipócrates concebeu e imprimiu no seu humanismo, doutrinando a ética da profissão médica; e o seu decálogo reflete a mesma moral trazida do Monte Sinai nas tábuas da lei.
               Se fosse possível provar integralmente a imortalidade da alma, pela comprovação experimental, sem deixar nenhuma dúvida à inteligência, o homem não seria esse mutilado mental que se anula na contemplação da divindade, por que o homem não é só a forma material do seu todo, o microcosmo de alguns filósofos, vivendo apenas da incidência tissular dos seus elementos, indiferente às condições telúricas, atmosféricas e interplanetárias. É verdade que ele sofre a ação do transcendentalismo, porque o determinismo do criador prescinde da observação e da análise.
               O Tomismo, na sutileza da sua hermenêutica, observa que a maior demonstração da Divindade não veio com o cristianismo, mas com a ideia de Deus vinculada em todas as fases da vida da humanidade, atravessando todos os séculos, ainda que esse Deus tenha sido chamado Buda, Osíris, Jeová, sendo, porém, um só, verdadeiro e onipotente, parecido com essa figura simiesca, de carne osso e cartilagem, sabendo trair e cobrindo o mundo de injúrias, mas à semelhança do seu espírito, imponderável e eterno, para viver outra vida, na imortalidade da alma.

Senhores:

               Certa vez, à cabeceira de um enfermo às portas da morte, observando os seus movimentos e a respiração, tive a impressão de que algo de importante se passava na semiconsciência do moribundo, pela expressão da sua fisionomia, se é que se deve acreditar na integridade mental dos pré-agônicos.
               De olhos semicerrados, ele parecia escutar melodias, ou vozes de alguém porque a sua expressão era de alegria.
               Que sente, pergunto-lhe? “Ouço as harpas do céu, em acorde de hosanas. Não está ouvindo”?
               Teve um ricto, e não falou mais.
               Outros há com alucinações visuais, como em certos urêmicos e no delirium tremens, por cujas manifestações respondem os tóxicos pela exaltação. Mas ha também os lúcidos que, ao defrontarem a morte se reafirmam heróis e santos, como os mártires da Igreja e o republicano Frei Miguelinho.
               A teologia tomista afirma que a alma se encarna no cérebro tão estreitamente como o corpo e o sangue divino se identificam no pão e no vinho consagrados, e só a morte os dissocia.
               Contra dogma não vale afirmar que a ciência experimental jamais encontrou na massa cerebral nenhum vestígio da alma, nem a sede da consciência, ainda que a lesão de determinado setor cérebro- espinhal se manifeste na afasia, na paralisia, na amnésia, na loucura. Mas, pergunto eu, quando das alturas descem em vertigem, no bojo de um motor em queda, na velocidade de uma flecha, o que ocorre na imaginação, no espírito, na alma dos que desceram para a morte? Como se teriam portado, nesse ultimo instante, os homens que viviam da inteligência e para o bem? Qual teria sido o pensamento derradeiro de quem deixou atrás de si o Estado, a família, a esposa, os filhos? E em que momento a alma libertou-se da cadeia da fisiologia desfeita?
               Não é paradoxal. Tal qual mistério do eterno, a interrogação não tem eco, porque se extingue no silêncio do desconhecido.
               Nenhuma investigação experimental, nem qualquer dedução filosófica romperiam a cortina atrás da qual o indecifrável e inexplicável e o incognoscível interceptam o pensamento humano para as raias do Além. O que ao homem é dado fazer e ao espírito materializar são essas invocações de saudade àqueles que se desintegraram da matéria e, talvez, escutem as preces que murmuramos sobre o bem que fizeram na terra.

Senhores:

               Às vezes, na solidão dos meus aposentos, na angústia do meu isolamento voluntário, tenho vontade de ver alguém que me deixou amargurado: e, então, invoco, suplico aos céus, aos manes e... O sono vem como resposta às minhas interrogações e desejos. É que ninguém virá, nem jamais alguém verá quem transpôs o Nirvana ou foi-se para o seio de Deus.
               Só a força Divina é capaz de transubstanciar a alma, que é imponderável, porque a matéria apenas dá forma aos corpos.
               O que se conta da vida dos anjos e dos santos, das visões, das aparições, transcende o metapsiquismo; e eis por que a razão esbarra no sobrenatural.
               Dentro desses princípios, pois, o homem, qualquer que seja a sua função social, tem por finalidade trabalhar pela unidade espiritual, enfileirando-se àqueles que serviram à humanidade, e cujos atos de heroísmo, ou benemerência os povos comemoram com a consagração dos seus feitos, constituindo essas cerimônias o Pórtico da imortalidade histórica.
               O médico e o sacerdote pertence ao apostolado da caridade, sendo o amor ao próximo o seu esteio e a sua luz. Ambos trabalham pela unidade espiritual, como os que terçam armas para a defesa da pátria, os que semeiam os campos e colhem das searas o material para a subsistência humana; os que cruzam os mares para a importação da civilização, os que difundem os conhecimentos da ciência e da Fé, para tranquilidade universal.
               Nesse reduto vive o medico, fazendo-se estimado, aliando a ética aos predicados do seu espírito, tornando-se credor da admiração coletiva e de profunda saudade, quando à morte arrebatada, porque só o Bem é condição para recompensas na terra e no Paraíso.
               Tenho por verdade o princípio filosófico de que o homem não se pertence. É ele parte de um todo, que é a humanidade, de cujo trabalho sinérgico dependem a paz universal e a integridade moral das sociedades. Os atos de heroísmo, os gestos de filantropia, a renúncia, os arroubos patrióticos não são maiores que o trabalho silencioso de um Pasteur, de um Lister, de um Osvaldo Cruz, de quantos mourejam nos laboratórios investigando a maneira de se prolongar a vida, de parar a morte na sua ronda nefasta e inexorável. Também não é menor o mérito de quem se abeira do inferno, do moribundo e dá-lhe a beber o néctar da caridade, da piedade evangélica, no pleomorfismo das suas manifestações, cuidando dos seus padecimentos, ensinando, insuflando-lhe confiança, mentindo, até, como uma terapêutica espiritual, dando-lhe esperança de cura, ainda que a morte espreite médico e agonizante e, enroscada às grades do leito, arranque-lhe das mãos o corpo sofredor.
               É assim o estoicismo do médico, e nisto está também a grandeza da medicina, como expressão de virtude. Esses primores da inteligência, da bondade e do amor ao próximo, formavam o espírito do nosso companheiro desaparecido, Jacob Volfzon, quer no convívio dos seus amigos e colegas, quer cuidando dos pobres do nosso Hospital, distribuindo conselhos e tratamento, falando sempre com brandura e atendendo com solicitude e daí as visitas da pobreza à sua ultima morada, lamentando o seu triste desaparecimento.
               Com igual, se não maior efusão de pesar, a nossa Sociedade de Assistência Hospitalar presta neste momento homenagens de profundo respeito e gratidão ao seu querido e dedicado companheiro Jacob Volfzon.

Senhores:

               Disse Claude Bernard que “a vida é uma longa meditação sobre a morte”, o que equivale dizer que a vida é o espírito, porque é feita de emoções, como a disparidade de sons, uma vez reunidos, forma a harmonia das baladas, dos hinos e das sonatas.
               Cada nota de per si é um grito anônimo. Mas combinadas formam a divina arte, exaltando o patriotismo, ou convidando à meditação.
               “A música mais esplêndida”, diz um antigo provérbio celta, “é a música dos fatos que acontecem”. Quando perguntavam aos heróis qual a música da natureza que preferiam, se a música da cascata, o grito da águia, o bramir do cervo, o ladrar de matilha, eles respondiam invariavelmente: Dai-nos a música dos fatos que acontecem.
               Talqualmente, aqueles que partiram para sempre, antes do fim último, talvez tenham escutado a sinfonia da saudade, entoada pela sonoridade dos soluços e lamentações dos que ficaram.
               Na continuação desses sentimentos, na invocação de uma prece, ou de um salmo, aqui celebramos a missa da saudade, em memória de Jacob Volfzon, arrancado da vida aos 36 anos, quando tudo lhe sorria, quando o futuro acenava-lhe láureas policrômicas.

Senhores:

               O ilustre morto, Jacob Volfzon, na vertigem de uma queda, em voo para a morte, desaparece do cenário social e do ninho de sua família, sem realizar o seu sonho; e, como disse o poeta, “Assim como Moisés sobre a montanha, ele viu só de longe a terra prometida”.

 
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