Dr. Januário Cicco
Ex.mo Senhor Governador do Estado,
Ex.mo Senhor Bispo Diocesano,
Ex.mo Senhor General Fernando Távora,
Demais autoridades civis, militares e eclesiásticas.
Ex.mas senhoras,
Prezados consócios,
Senhores.
              Abrem-se hoje as portas da Maternidade de Natal, para a sua precÃpua finalidade de amparo à mulher, no desdobramento da sua função bÃblica.
              Faz-se nesta festa a celebração de uma realidade concreta; a materialização de um sonho que se vem cristalizando, há mais de um quarto de século, na continuidade de uma vigÃlia perseverante e ininterrupta; vigÃlia idealÃstica e eximida de interesse personalÃssimo, sem nunca haver-se desviado o pensamento do Bem que esta obra de solidariedade humana distribuirá, séculos adentro, se lhe não faltar nunca a cooperação dos poderes responsáveis pela vida das instituições beneficentes.
              Não andei só nessa peregrinação cÃvica, porque a meu lado, a minha companheira e santa esposa, de braço dado à filha amantÃssima, arregimentou exércitos de senhoras, que pelejaram em todas as frentes de uma batalha sem tréguas, deixando na retaguarda uma coluna de heroÃnas do Bem, vencidas apenas pela morte. Legiões de intelectuais, muitos dos quais também desaparecidos trabalharam na imprensa e na tribuna, irradiando o valor da unidade espiritual na peleja exaustiva e imperiosa de se dar aos desfavorecidos da fortuna o manjar de um conforto, na hora decisiva do sofrimento.
              Rendo-lhes graças, e numa invocação de concórdia e de Fé, pelo bem que fizeram e pelo amor que alimentou a ideia, que já não é um sonho, mas uma realidade criadora.
              Quando moço, sadio e corajoso, entrei, certa vez, na choupana da mulher pobre, para acudi-la no desdobramento da sua vida e senti, nesse instante angustioso, que a justiça social estava muito distante da realidade que ali se ostentava.
              Se Deus fosse matéria, vingaria como qualquer mortal, a injustiça das classes afortunadas, pelo requinte da sua egolatria.
              Foi naquele instante que me nasceu a ideia no trabalhar pela obra que vindes inaugurar, e nunca mais deixei o campo da luta, até que me cessem as forças para a continuidade dos seus benefÃcios.
              Se envelheci no percurso deste trabalho, disso não dá mostras o meu espÃrito, porque o imponderável não tem idade.
Busto do Dr. Januário Cicco.Â
              Numa longa e cruenta meditação sobre a vida, cheguei à fácil conclusão de que o homem, essa Criatura material e ridÃcula, que Deus criou para o determinismo biológico, tem dentro de si o imperecÃvel, que é a alma, irresponsável pelos desmandos do instinto, incompreendida e insatisfeita com o destino que a matéria imprime ao ritmo social e assim, dessa cadeia de conjecturas, da contemplação do desconcerto universal, veio-me a vontade de fazer qualquer coisa útil aproveitando as parcelas da minha capacidade de trabalho, vencendo a onda de pessimismo que se levantou contra esse ideal de amparo à coletividade, reunindo forças para a execução de um plano de assistência à mulher e à criança; e desse modo consegui do povo e dos governos o indispensável para esta realização que é vossa, isto é, do povo e para o povo.
              As canseiras que me deram as pás de terra destas paredes e as pedras destas colunas, não fatigaram o meu espÃrito, porque fui um autômato à s vossas determinações. Fui apenas um operário junto ao imperativo que me impusestes, e posso afirmar que fiz desse dever a pedra fundamental do meu trabalho, e todo ele com altivez, dignidade e honra pessoal.
              É possÃvel que me julgueis imodesto e pretensioso, porque falo na primeira pessoa, quando sou apenas o executor da vossa vontade, recebendo do povo o necessário para a construção deste templo; e se agora vo-lo entrego equipado dos melhores aparelhos e instalações, deveis sentir que não menti à minha palavra, nem desmereci da vossa confiança.
              Não fosse a generosidade do Governo da União, pela iniciativa do deputado Café Filho, que nos premiou com l.700.000,00 cruzeiros, a restauração deste edifÃcio, abandonado durante sete anos, oito meses e quinze dias, não teria sido possÃvel, dado que o nosso patrimônio social dispunha de uma reserva que mal daria para a substituição da esquadria metálica despedaçada e carcomida pela ferrugem.
              Aquele nosso representante, convém realçar, não viu nesta casa a personalidade de quem a dirigia, mas a obra social que se refletia na estrutura de uma assistência à mulher e à criança.
Senhores:
              A finalidade social das Maternidades não é apenas a de recolher a mulher no seu grande sacrifÃcio de fazedora de homens, mas também a de lutar contra a mortalidade infantil; e nisto está o maior serviço dessa assistência social, cuja complexidade inclui no seu programa a luta contra a miserabilidade e contra a ignorância, os dois maiores fatores de regresso à vida das nações progressistas.
              Dentro deste raciocÃnio, planejei a construção desta casa para que a mulher humilde e a mulher afortunada niveladas no plano do mesmo sofrimento tivessem um leito bem cuidado e o filho, um berço trabalhado por mãos carinhosas.
              Não foi, saibam todos, para desperdiçar dinheiro que mobiliei salas e engalanei de cortinas os vastos salões deste palácio; mas para que a mulher pobre sentisse que tudo isto pertence-lhe, e, na verdade, tudo que aqui está é do povo e esse povo é criação da mulher pobre.
              Houve quem dissesse que, contrastando com a miséria de Natal, exibia-se uma Maternidade, um palácio feito de mármore e mobÃlia de móveis custosos, como se esses mármores se acabassem e este palácio deixasse de servir a pobreza, para quem foi construÃdo. O que è verdade é que tudo isto é infinitamente menos do que os prêmios de Papai Noel, fugazes e sem fixação de um benefÃcio real; infinitamente menos do que o custo dos folguedos do Carnaval, em cujos lances de desatino a saúde e a economia coletiva desaparecem. Quereria, talvez, o nômade encontrar no meio da miséria que ele viu, ao em vez deste palácio e destas instalações, armazéns cheios de gestantes e puérperas, barracões iguais aos que ele viu, ou experimentou nos campos de concentração.
              Sou dos que pensam que a assistência médico-social deve ser gratuita, e essa liberalidade anda por continentes de velhas civilizações; e se o fizeram o Uruguai, na América do Sul, e a Inglaterra, na velha Europa, está claro que os governos bem orientados entregam ao povo, sem distinção de classes, aquilo que dele recebem.
              Os crÃticos desta obra, aqueles que fariam mais do que eu, mas que até agora nada fizeram, por falta de tempo, venham a mim, emprestar-me a sua luminosidade, o brilho da sua inteligência, o seu amor pelo bem público, e de braços abertos os acolherei, contente comigo mesmo pela sua participação num dos problemas mais delicados da vida social, que é dar-se à mulher pobre o que nem sempre há no lar abastado, ou rico, por má compreensão do que seja esse amparo é nacionalidade, representada na criança de amanhã, nessa criaturinha que tanto poderá ser um desumano, como um gênio, ou uma glória universal. Para essa criança, pois, é que foi construÃda esta Maternidade, este ambiente de elevados propósitos, onde a mulher terá alimentação cuidada, assistência médica indispensável à sua gestação e puerpério, e a criança, tudo que lhe disser respeito.
              Assim, ingressada a gestante nestes serviços, será ela objeto de atenção especial, da anamnese às provas de laboratório, percorrendo todos os setores da ciência experimental, perquirindo-se do seu sangue as coordenadas para o êxito do seu delivramento e vitalidade do seu filho.
              Fichada essa criatura, irá ela ocupar um dos 65 quartos desta casa, tendo por companheira apenas outra gestante.
              Cada um desses quartos tem o nome de uma flor e dentro de cada compartimento duas camas numeradas, para facilidade de localização evitando-se assim a duplicidade de números.
              Permitam que eu registre, neste momento histórico, a criação deste jardim humano.
               Izabel Simões Cicco, concertando comigo o planejamento desta obra, lembrou, na sua delicadeza sentimental que ao em vez de numeração comum aos leitos de hospitais, seria mais gracioso e comovente designar pelas duas mulheres que se desdobrariam em frutos palpitantes. Um jardim humano sem perfume, mas cheio de seiva e de espinhos, talvez. E aà fica aberto à floração esse jardim criador.
              Ninguém suponha nenhuma pretensão na divulgação dessa formosa nomenclatura dos quartos da Maternidade. Ela surgiu de um comentário, que é de uso fazer-se, quando são olhados os planos que a sociedade estabeleceu, na classificação das classes sociais, humilhante para aqueles que a má sorte colheu nas malhas da indigência, e contra as quais a sociologia moderna vem tentando desfazer, no amparo da legislação trabalhista. Assim, a designação de indigente deve ser abolida, ou afastada da classificação nosocomial, porque nesses estabelecimentos, verdadeiramente ninguém é indigente, de vez que além de ser humilhante essa provocação, e apesar do beneficiado não contribuir para o pagamento das suas despesas, os governos bem ou mal, pagam-lhe a assistência que se lhe dá. Dessas conjecturas veio, pois, aquela concepção graciosa, de se estabelecer ao em vez de números, a designação de nomes de flores para os aposentos das contribuintes e das não contribuintes, ficando os números apenas para os leitos. É a igualdade no sofrimento.
              Nascida a criança, ser-lhe-ão prestados todos os recursos para a conservação da sua vida; e entregue em seguida ao pediatra para exames especializados e imunização, indo ter por fim ao Berçário, donde só sairá para a amamentação e cuidados especiais. Há nas grandes cidades e sob a orientação de senhoras, uma organização beneficente, intitulada Obra do Berço, com a finalidade especial de premiar as Maternidades com enxovais destinados à s criancinhas sem recursos, no momento de se retirarem para o domicÃlio de seus pais.
              Entre nós já foi lançada essa semente, pela mão dadivosa da Ex.ma. Sra. d. Sofia Varela Dutra, conseguindo da famÃlia natalense a sua assinatura no Livro de Ouro, com a inclusa do primeiro auxÃlio, ou enxoval, para as criancinhas nascidas na Maternidade de Natal. São as signatárias desse livro as pioneiras da Obra do Berço, para a provisão de recursos num dos setores da assistência à infância.
              Um prêmio que vincula a nossa dedicação ao futuro das três primeiras crianças nascidas nesta casa vem despertando alegria entre quantos veem neste gesto o seu verdadeiro sentido filosófico. Longe de limitar os benefÃcios da nossa Instituição à mulher mãe, decidiu a nossa Sociedade agraciar as três primeiras crianças que aqui nascerem, com os donativos de 5, 3 e 2 mil cruzeiros, respectivamente ao primeiro, segundo e terceiro neonatos.
              Não se veja nesta generosidade um requinte de desperdÃcio, mas o intuito da formação de um pecúlio para a maioridade daquelas três criaturinhas, em cujo futuro renderá graças à nossa instituição, pela fortuna que lhes preparamos.
              Há neste gesto uma lição de economia, ensinando-se a capitalizar, forçando-se uma educação de previdência, assegurada pela inviolabilidade do fundo de reserva, acrescido de mais haveres se os pais da criança capacitarem-se das vantagens dessa reserva, adicionando-lhe quantos cruzeiros puderem depositar, ao em vez de gastá-los com guloseimas, ou coisas equivalentes.
              Se a fortuna nos ajudar neste propósito, faremos igual distribuição de prêmios em cada aniversário desta inauguração, a três outras crianças, que nesse dia nascerem nesta casa. Hão de convir os que discordarem desta liberalidade que é mais elevado dar prêmios visando-se um futuro proveitoso, do que distribuir migalhas esvoaçantes pelo Natal dos pobres,à sombra de cuja árvore um Papai Noel lendário só favorece as indústrias de nonadas.
              A nossa preocupação de educar não termina com este problema econômico. Anexos aos serviços da Maternidade, haverá uma Escola de Parteiras e um Curso de Puericultura.
Este anfiteatro e os vários serviços desta Maternidade serão o ambiente onde os nossos médicos dissertarão a matéria dos seus programas.
              A função de uma Creche junto à s Maternidades, possivelmente, seria de grande alcance sociopolÃtico, porque sabemos o fim trágico de certas crianças entregues por suas mães, à saÃda do Hospital, a criaturas estranhas, que as tomam para negócio, ou por caprichos de outra ordem.
Por que as creches não têm resolvido o problema da assistência à infância nos meios operários, vem-se pensando ultimamente na colocação de crianças entre famÃlias sem filhos, ou entre aquelas que gostam de crianças.
              É isto uma modalidade precária de reajustamento social, cujas consequências negativas virão mais tarde com mais uma desilusão pela desproporção entre as acolhidas a o número indeterminável daquelas que ficarão nesse conforto passageiro, tendo-se atada a considerar que a aceitação de crianças por determinado número de famÃlias afeta a habitabilidade, ou a capacidade desses lares para o amparo eficiente, porque não basta receber a criança, mas dar-lhe tudo, inclusive assistência médico-educacional; e é bom saber-se que esse acolhimento, na sua generalidade, não assegura, mesmo remuneradamente, qualquer êxito bom porque o egoÃsmo e a maldade continuam no cenário econômico.
              A criança, conquanto possa vir ao mundo coberta de taras, ou em condições precárias de vida, nasce, ordinariamente, em boas condições de vitalidade.
              Do seu primeiro grito à primeira alimentação decorre a sua saúde; e entregá-la ao nascer a qualquer lar que não o de sua mãe pelo leite que lhe dará o seio materno, importa em diminuir-lhe as possibilidades de vida. Ainda que o aleitamento mercenário venha em seu auxilio, ou a alimentação artificial seja-lhe propiciada, nada impede que o ambiente que se lhe deu seja-lhe agressivo, porque há pais desinteressados, padrastos inconscientes e pais adotivos interesseiros.
              Não quero afirmar que as creches, por si sós, resolvam o problema da assistência à primeira infância, porque esses estabelecimentos não poderiam ampliar o tempo de recolhimento de crianças de vez que a segunda infância, aquela que exige a formação moral e fÃsica do menino, necessita da colaboração imediata dos poderes públicos; e as famÃlias que o tivessem longamente na sua intimidade, exigiriam muito mais para a continuidade dessa assistência sem nenhuma obrigação patrimonial.
              Tenho para mim que não está na relatividade do número de vibrações o êxito feliz das grandes iniciativas, mas na qualidade dos seus elementos harmônicos.
              Quando pelejei na imprensa, reunindo amigos e elementos do escol feminino, para uma longa caminhada sobre urzes, sabia que a cruzada seria penosa e difÃcil, mas a conquista certa, porque a vontade bem orientada para despertar a sensibilidade pública, carecia apenas de perseverança e honestidade.
              Se de um lado colhi risos de desconfiança, de permeio a sabedoria dos homens de Fé, e na cauda a inoperância dos fátuos, sabia que na estrutura psÃquica desse emaranhado de emoções, cristalizar-se-ia a vontade daqueles que antecipavam a realidade desta festa.
              É possÃvel que as Maternidades sejam, mais tarde, a célula de regeneração da raça, no que tange â mortalidade infantil, isto é, uma escola de divulgação sanitária, ensinando-se ao povo noções de embriologia, referentes à sensibilidade dos genes à impressão dos defeitos orgânicos.
              Lendo, de Maurice de Fleury, Membro da Academia de Medicina de Paris, um estudo sobre a mortalidade infantil, dizia o mestre que o que mais o admirava na contemplação da vida era como o organismo humano comportava-se em face da carência dos subalimentados, suportando tais indivÃduos trabalhos que exigiam avultada soma de calorias, sem dar mostras de desequilÃbrio substancial. Mas, por isso mesmo, afirmava ele, era na classe proletária que se observavam maiores a natalidade e a mortalidade infantil, porque a ancestralidade mórbida e a miséria fisiológica eram obstáculos invencÃveis à sanidade material; e daà a inconsistência desse reajustamento prometido nos programas oficiais, porque não é o leite que se aumenta na ração do menino pobre que fará forte quem veio inacabado fisiologicamente.
              Focalizou assim, o mestre a causa essencial da mortalidade infantil: a miséria fisiológica dos genitores.
              A ignorância e o pauperismo, somados àquele fator de decadência racial, completam essa figura psicológica da miséria, que desafia o poder material dos governos contra a mortalidade infantil, sem rumo certo e sem unidade espiritual.
              Creio na ação das Maternidades como elemento de renovação do nosso potencial humano. E por que tanto sonhei com o advento dessa conquista, aqui está o primeiro passo, nesta Maternidade, nesta obra de fé democrática e fraternal; e também por que antevejo na progressão dos seus benefÃcios a eliminação das causas apontadas por Maurice de Fleury, não é demais sonhar outra vez com a aurora da redenção da criança. E como é bom sonhar assim. O subconsciente, muitas vezes, cria realidades surpreendentes, em cuja trama o espÃrito tece enredos maravilhosos; e ainda que num futuro remoto, vem à luz a materialização do que foi outrora uma simples fantasia.
              Fantasia cheia de graças, neste caso, para a mulher pobre da minha terra; realidade criadora, porque esta é a casa que se abre para a salvação da mulher-mãe e para a ostentação do fruto dos seus pecados. Fantasia minha e vossa, construÃda no tempo, tangenciando a verticalidade do Bem, para a supremacia da nacionalidade; vinculada no Templo de Lucina, onde sacerdotes paramentados de branco, alçando a cruz vermelha do socorro, espargem os recursos que a ciência entregou à humanidade.
              Fantasia realizada no grande trabalho de muitas primaveras, em cujas estações, no silêncio das noites enluaradas, ou nas suas alvoradas luminosas, a esperança nunca me abandonou, porque a luta era pela criança do futuro, por essa que virá daqui a um século ou mais, para a realidade brasileira; por aquela que virá dos netos do menino de hoje, Será a formação de uma coletividade de trabalhadores conscientes.
              Vem daà a complexidade dos objetivos das Maternidades, porque a sua função, como já vos disse, não é só a de amparar a mulher nos paroxismos do seu maior sofrimento, mas é grandemente na difusão de preceitos salutares, de conceitos educacionais, desses que se estabelecem nos cursos de puericultura, nos serviços pré-natais, nas Gotas de Leite, nos Lactários, onde a mulher vai dar o seu leite a crianças cujas mães não o têm, recebendo em troca lições de higiene infantil, conselhos de previdência contra as desgraças da alimentação imprópria à idade; ensinamentos contra os perigos das moléstias pudendas, os travos danosos do alcoolismo, os horrores da sÃfilis, instruindo-se sempre, examinando-se-lhes a boca, a pele, o sangue; perquirindo-se nas radiografias os disfarces da tuberculose, do câncer e de tantas outras desgraças que dizimam mães e crianças.
              A Carta Constitucional do nosso Estado inseriu disposições fundamentais, estabelecendo cursos de Puericultura nas escolas, por lembrança minha a diversos legisladores, e nesta Maternidade haverá uma Escola de Porteiras e um Curso de Puericultura, porque assim tracei os destinos de uma instituição visando o futuro do Brasil, preparando defesas para a sua hegemonia, para a sua superioridade cultural, sob todos os aspectos, considerando que somos tidos como a terceira nação de homens pouco civilizados, onde a assistência social é das mais lamentáveis e onde a mortalidade infantil é das mais cruciantes.
              A tormentosa complexidade da mortalidade infantil, no Brasil, prende-se substancialmente à genética, à miséria e à ignorância, os três fatores de extinção da espécie? E ainda que outros paÃses, no balanço da sua população, cuidem da mortalidade infantil, porque é impossÃvel evitá-la totalmente, entre nós ela vem, tristemente, da nossa formação de povo, isto é, da vida colonial à esfarrapada democracia dos nossos dias, deixando-se as civilizações passarem de largo pela nossa porta, os campos abandonados, a terra infecunda por negligência, a fortuna pública andrajosa, porque o homem do campo aspira à cidade e o citadino anseia à representação no parlamento.
              Enquanto isso, a miséria corre avassaladora por todos os recantos do paÃs; as valas comuns abrem-se, imensas, nos cemitérios, e as nações misericordiosas mandam os seus agentes à nossa procura, para a oferta de um pouco de leite para as crianças moribundas como se isso salvasse o Brasil.
              Tenho tristeza da calamidade nacional que é a mortalidade infantil e vem daà a esmola de leite em pó para a nossa infância não morrer depressa, porque o que nos salvará será a educação sanitária; a profilaxia das moléstias infectocontagiosas; a premonição pela BCG; a luta contra a cegueira; a instituição de Maternidades por toda a parte, dando-se-lhes técnicos especializados, munidos de laboratórios e de auxiliares competentes; è a luta contra a sÃfilis; as gotas de leite; a campanha contra o alcoolismo, contra a moral social dos nossos dias, contra essa licenciosidade que por aà anda, que mais não é do que o nosso regresso ao paganismo.
              Foi, pois, para amparar essa infância que virá mais tarde, que construÃmos esta Maternidade.
              No momento, mais crianças participarão dos benefÃcios imediatos desta obra de solidariedade humana; e mais tarde, quando a sua mentalidade atingir a certo grau de superioridade, então, elas dirão a Deus, nos suas orações, os bens espirituais que lhes advirão deste legado.
              Na antevisão das graças desta obra, uma réstia de luz acorda-me na consciência o estendal das minhas lucubrações, quando, ainda moço, falava desta casa, traçando-lhe o perfil, no entusiasmo dos meus sonhos de médico. Agora, na claridade festiva desta inauguração, sinto que minha alma está ajoelhada; olhando o meu poente, na ostentação desta grandeza e na saudade do meu trabalho.
              Abençoadas sejais vós, oh senhoras da minha terra, as que aqui estão e outras que lá fora andam por mais terras do Brasil, e que tanto sonharam, lutaram e rezaram pela festa desta inauguração.
              Santificadas sejais vós, outras tantas senhoras, mocinhas e crianças que lá do céu continuam inspirando os obreiros desta criação de benefÃcios, pedindo a Nossa Senhora do Bom Parto, protetora desta Maternidade, os eflúvios da sua graça para todas as gerações que transpuserem felizes, os umbrais desta casa da mulher-mãe!
              Srs. Deputados do Congresso Federal. Eu vos saúdo em nome da mulher pobre da minha terra, pelo bem que lhe fizestes, vindo assistir à sua festa, escutando de perto a palavra do seu intérprete, na hora augusta da redenção do seu sofrimento.
              Srs. Representantes da Imprensa carioca, que vindes de tão longe para contar à Nação que neste recanto do Brasil trabalha-se pela unidade da Pátria, procurando-se elevar o nÃvel assistencial da criança brasileira, eu vos saúdo festivamente.
Senhor Governador do Estado,
Guarde V. Ex.a na sua vida polÃtica e na sua lembrança de médico este acontecimento memorável: V. Ex.a presidiu a sessão extraordinária da Sociedade de Assistência Hospitalar, construtora deste palácio, num dos seus grandes dias, para declarar inaugurada a Maternidade de Natal. Faça-o, após o término do meu discurso inaugural, mas não esqueça nunca de que nos anais da nossa vida social e pública, V. Ex.a assume neste momento o imperativo de um colaborador na vida desta Instituição.
< Anterior | Próximo > |
---|