Otacílio Alecrim e o seu biógrafo
Os artigos que Américo de Oliveira Costa vem publicando na “Tribuna do Norte”, em Natal, sobre Otacílio Alecrim, podem ser tomados como os primeiros capítulos de uma biografia critica, que vem em caminho.
Américo é um lúcido critico literário, um humanista, um escritor da mais alta categoria. Bem pode ser o biógrafo que Alecrim mereceu. Uma biografia que se estenda em história e critica de idéias. Num painel cultural da época em que viveu o escritor norte-rio-grandense.
Meu maior contato com Alecrim foi na Faculdade de Direito do Recife. Em Natal nem sempre estava com ele. Mas o acompanhava de perto. Fomos oradores da “Temporada Literária de 1930”, organizada e realizada com extraordinário êxito pelo cronista Adherbal de França, o admirável Danilo das pequenas Notas d” “A República”. A conferência de Otacílio Alecrim era como que o seu próprio retrato. Falou sobre “Satã de monóculo”. Um satã que lembrava o João da Ega em diabruras encianas que abalavem o senso burguês da Província .
Ele havia interrompido seu curso jurídico; retomou depois da revolução de 1930 para ser o maior líder estudantil (por que não dizer universitário?) do seu tempo.
Divergíamos nas idéias e posições filosóficas:
Ele , um tablático, um kantiano; eu. Um seguidor fiel de Jackson de Figueiredo e de Tristão de Athayde. Isso não impediu que estivéssemos juntos nos movimentos estudantis, notadamente os que, com o nome um tanto pomposto de “Festas de Inteligência e de cultura” eram promovidos pelo Direito Acadêmico. Com o seu apoio elegi-me presidente do Diretório Acadêmico. E com a alta compreensão universitária de Andrade Bezerra realizamos conferências, encontros, simpósios que marcaram pela inquietação pascaliana que dominava os intelectuais do apô-guerra.
Já tive oportunidade de lembrar – e sempre o faço quando trato dessa faze de transição – que Alecrim era o ponto de partido das coisas que pretendíamos realizar em conjunto. Éramos um grupo coeso, composto dele, Alvaro Lins, Evaldo Bezerra, Coutinho, Gil de Methodio Maranhão, Andrade Lima Filho, João Roma, Luis Leite da Costa, Amaro Qiuntas, Nehemias Gueiros, Gilberto Osório de Andrade, Cesário de Melo e Alguns outros. Alecrim empolgava pelo seu talento, pela sua versatilidade, pelo seu cartesianismo um tanto indisciplinado: era um chamariz de idéias, sistemas, sarcamos.
Luiz Delgado chamou-o “O espantoso Sr. Otacílio Alecrim”, numa alusão ao que ele escrevia na Revista “Agitação”, que foi um dos marcos desse tempo romântico e revolucionário.
O grupo católico, que tornava nas fileiras das A.U.C. (Ação Universitária Católica), de que era presidente, no Rio, o escritor Alceu Amoroso Lima, não se entendia muito bem com Alecrim.
A risada dele fazia gelar o sanguenas veias, como nos romances policiais. Ou, simplesmente podia ser a gargalhada eciana, que, passada sete vezes em torno das instituições, as faz aluir. Otacílio tinha consciência do seu poder. Quase diria da sua malignidade intelectual. Chamava os engraxates pelo nome dos seus inimigos. E de alguns, os mais caturras, costumava dizer que só tinham na cabeça piolhos e pronomes.
Tinha na congregação da Faculdade admiradores fervorosos como Andrade Bezerra e Anibal Freire. Com eles matinha longos entretenimento literários. Eram bons momentos de ironia e piedade.
Certas frases de Alecrim ficaram como clarinadas do seu espírito nas salas e corredores da Faculdade. Por exemplo: - “Nesta casa onde tantas vezes Tobias conversou com o Fausto de Coethe”.
Perguntávamos por desafio literário:
- Alecrim: onde foi esse encontro de Tobias com Fausto?
- não sei, respondia; mas em algum lugar onde se possa sentir cheiro de enxofre.
Essas “batucadas” eram constantes nele. Seu talento esvaia-se em ironia e paradoxos mortais. Seu opúsculo sobre a Revolução de 1930 mostra em que dimensões o seu ressentimento podia criar uma estética espantosa, meio diabólica na qual se situava a rir da humanidade como um demiurgo feliz.
J. M. Tamatião foi o pseudônimo que em se escondeu para ververar o movimento revolucionário que pôs termo ao Governo de Juvenal Lamartine, no Rio Grande do Norte, sucessor de José Augusto Bezerra de Medeiros, de quem Alecrim foi oficial de Gabinete.
Não foi só: - ele levou esse pseudônimo à congregação das ondas hertizanas, contando no Rádio Clube de Pernambuco... somente três amigos sabiam que ele: - José Alfredo Mariz de Menezes o nosso Menezes tão afeiçoado, Pedro Barbosa e eu. Nesses momentos, o próprio Fausto de Goethe – um Fausto sem Margarida – estaria ao seu lado na maneira de zombar da humanidade, que acreditava na aparências...
Em 1933 Otacílio Alecrim deixava a Faculdade e, logo no ano seguinte, o Recife. Procurava um horizonte maior. O encontrei no “Café Continental”, escrevendo uma carta. Perguntei de que se tratava. E ele, rindo, mas quase chorando:
- estou escrevendo uma Encíclica sobre o amor.
Desmanchava , então, um namoro que mantinha com uma moça não sei em que parte do mundo. Talvez em Macaíba...
Por falar em Macaíba: - foi a “Província Submersa”, de Alecrim. Era um nostálgico de sua gente, e sua paisagem. Um barresiano, como salientou Américo de Oliveira Costa. Um Proustiano que ele foi todo inteiro, com a sua Combray para as horas intimas aquelas em que o orador se escondia no menino, na infância perdida.
Disse-me uma vez:
- Leia meu artigo, amanhã, no “Diário de Pernambuco”’.
Era sobre Henrique Castriciano, que ele tanto admirava. Outro de Macaíba, um renaniano incurável. O titulo do artigo: - “O místico de Lausanne”.
Alecrim encontrava nele traços da irmã, a “pobre moça tuberculosa”, que deixou o HORTO, “livro de uma santa.
Escrito pelo Dr. Ivan Maciel de Andrade
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