A dança silenciosa dos Zeppelins na Torre do Jiquiá
Com 70 anos de existência, a Torre do
Jiquiá aguarda restauro da Fundarpe.
No dia 22 de maio de 1930, era o nome de Júlio Prestes, recém proclamado Presidente da República, que tomava conta da imprensa nacional. No Recife, porém, os jornais locais estampavam em suas capas uma notícia que provocava muito mais rebuliço entre a população: a chegada do Graf Zeppelin na cidade. O interesse tinha uma justificativa: era a primeira vez que o dirigível atracava em um país da América do Sul.
Foram os ventos contrários que trouxeram o Graf Zeppelin a Pernambuco. Com suas marchas retratadas, o destino original, Rio de Janeiro, precisou ser modificado. Coube ao seu comandante, Hugo Eckerner, tomar a decisão de desviar a rota para Recife – onde o assunto já havia se tornado o preferido entre o povo – e entrar de ver para a história da cidade.
Logo começou o corre-corre para a chegada da mais luxuosa aeronave já vista até então. O prefeito Francisco da Costa Maia decretou feriado municipal e todas as autoridades se empenharam nos preparativos para a recepção da tripulação e dos passageiros. Quando o Graf Zeppelin despontou sobre a cidade, mais de 15 mil pessoas já estavam reunidas, aplaudindo em direção ao céu. Eram 19h35 quando o dirigível atracou na Torre do Jiquiá e foi recebido pelo sociólogo Gilberto Freyre – então chefe de gabinete do Governador Estácio Coimbra – que desejou as boas vindas em nome do povo pernambucano.
ESTRUTURA – A torre em que o Graf Zeppelin atracou começou a ser montada apenas algumas semanas antes de sua chegada, no Campo do Jiquiá, pela equipe de Ernest Besch, engenheiro da companhia aérea. Sua estrutura metálica media 16,5 m de altura e pesava cerca de 3,5 toneladas. Além do mastro, a infra-estrutura criada para receber dirigíveis de grande porte contava ainda com uma plataforma para as operações de atracação, abastecimento de gás, eletricidade e água, sala de embarque e despacho de carga e correspondência, dormitório, cantina, posto de assistência médica, estação de rádio-telegrafia e fábrica de gás hidrogênio e gasômetro.
Em 1936, seis anos após sua construção, a Torre do Jiquiá cedeu. Como Recife era a o principal ponto de escala na América do Sul para os dirigíveis vindo da Europa, logo uma outra foi montada em seu lugar. Com três metros a mais que a anterior, a nova torre foi erguida com peças vindas da Alemanha e tinha capacidade para atracar, além dos Zeppelin, os novos modelos Hindenberg que estavam sendo lançados na época.
A nova torre do Jiquiá, entretanto, só funcionou ativamente durante um ano. Em 1937, nos Estados Unidos, depois que um raio atingiu um Hindenberg – que explodiu no ar, matando 37 pessoas – o transporte por dirigíveis foi suspenso e mais de cem aeronaves do tipo foram retiradas de uso em todas as partes do mundo.
TEMPO – Dispensadas de sua função, as bases para atracação de dirigíveis aos poucos foram sendo desativadas. A Torre do Jiquiá é a única ainda existente no mundo. Em 1938, foi tombada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). A ação do tempo, porém, prejudicou sua estrutura de ferro, severamente corroída pela ferrugem.
Em 2003, a Fundarpe, junto ao Ministério Público, deu início a um processo e restauração da Torre do Jiquiá. Segundo Jobson Figueiredo, restaurador e artista plástico que coordena o projeto, um laudo técnico e um plano de trabalho já foram feitos. “Infelizmente, o processo burocrático é muito lento. Estamos aguardando resoluções para que possamos, enfim, dar início às obras”, desabafou.
Setenta anos após sua construção, a Torre do Jiquiá não desperta mais os olhares de outrora, quando reunia em torno de si dezenas de visitantes, entusiasmados com a presença dos imensos charutos prateados no céu. Sua força histórica, no entanto, não desapareceu; permanece depositada em cada centímetro de sua estrutura, aguardando apenas um mínimo de atenção das autoridades, para poder testemunhar, silenciosamente, as cenas que tanto presencio: a dança compassada e graciosa dos antigos zeppelins.
Torre do Jiquiá
Escrito por Natalia Duprat
Publicado na Revista Movimento.
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