Instituto José Maciel

CORTEZ PEREIRA - Dalton Melo de Andrade

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Pediu-me o presidente do nosso Instituto, que dissesse algumas palavras sobre o nosso patrono. Em primeiro lugar, desejo afirmar a justiça da escolha de Cortez Pereira para nomeá-lo. Comentários há que o consideram como um de nossos melhores governadores. Concordo com isso, apesar de ter sido parte de seu governo. Fui Secretário de Educação e Cultura durante quase quatro anos e Presidente do Banco do Estado do Rio Grande do Norte por seis meses. Deixei o Banco para assumir uma posição na O.E.A. (Organização dos Estados Americanos), em Washington, por indicação do Ministro Jarbas Passarinho.

Quando Públio me convidou para dizer alguma coisa sobre Cortez, me colocou num dilema. Foi Cortez um homem tão multifacetado, tão eclético que, para falar sobre ele, embora aparentemente fácil dado aos ângulos diversos de onde se pode partir, se torna difícil, até por isso mesmo. Falarei sobre o Cortez com quem convivi e que conheci. E contarei alguns pequenos “causos” que bem mostram sua forma de ser e de governar.

Não o conhecia pessoalmente. Nunca passou pela minha cabeça que poderia ser convidado por ele para integrar o seu governo. Mas, a vida é cheia de encontros e desencontros. Com Cortez, houve o encontro.

Sabia, como todos, que ele estava montando o seu governo. Surgiam nomes diversos na imprensa, para cargos diversos. Inclusive para a Secretaria de Educação e Cultura, que viria a ocupar. O meu nome nunca foi mencionado.

Nesse tempo, trabalhava com Dr. Onofre Lopes na UFRN e dirigia, além do Projeto Rondon, um programa da Universidade em associação com a CNAE (Comissão Nacional de Atividades Especiais), hoje INPE, chamado Projeto SACI. Esse projeto buscava simular a utilização de um satélite para oferecer educação à distância, tanto para os alunos das escolas envolvidas no programa, bem como treinamento para os seus professores, que fosse de boa qualidade e de baixo custo. Naquela época, pensar em se usar um satélite para esse fim era uma inovação fantástica. Só havia um programa semelhante, na Índia, já em funcionamento e amplo sucesso. O projeto estava em andamento, já estávamos instalando a estação de televisão, que serviria para simular a emissão dos sinais do satélite, que depois se tornou a atual TV Universitária, e já havia começado a interação com o Estado. Sem essa interação, a simulação não teria sentido.

 

Cortez, na busca de nomes que o ajudassem, andava conversando com pessoas diversas. Políticos e não políticos, de projeção na sociedade. Um de seus interlocutores mais assíduos era Dr. Onofre Lopes. E, soube depois, foi através dele que chegou ao meu nome. O próprio Dr. Onofre me contou que ele já vinha com o meu nome para consultá-lo e já tinha algumas informações a meu respeito. Queria saber o que eu fazia na universidade, o que era o projeto SACI, de que forma ele poderia ser integrado ao seu governo. Dr. Onofre deu as informações, e sugeriu, quando pediu-lhe que indicasse nomes para a Secretaria de Educação, o meu. A conversa com Dr. Onofre o convenceu.

E aí vem o primeiro “causo”. A forma como me convidou. Recebi um telefonema de um amigo e primo, dentista, Solon Galvão Filho, de quem Cortez era cliente. Pediu-me que fosse ao seu consultório, que um cliente seu desejava falar comigo e só tinha disponível aquele momento. Perguntei quem era e do que se tratava e respondeu: você saberá quando chegar aqui.

Fui ao consultório de Solon e, assim que me anunciei, mandou que eu entrasse. Estava Cortez na cadeira, de boca aberta. Sólon parou os procedimentos, fez as apresentações, pois até aquele momento eu não o conhecia pessoalmente, e disse para mim: "Cortez queria falar com você, perguntou se eu o conhecia e diante das minhas informações, pediu-me para chama-lo até aqui".

Cortez virou-se para mim, levantou-se um pouco da cadeira para me cumprimentar, e disse de supetão: "Onofre me falou a seu respeito, descreveu suas atividades na UFRN e no Projeto Saci e indicou seu nome para a Secretaria de Educação. Quero convidá-lo para trabalhar comigo. E quero sua resposta agora. Já encomendei um curso para todos os meus auxiliares e estou dando os nomes para marcar o início do curso". Respondi: bom, se é para a gente intensificar o projeto Saci, eu aceito, Mas devo lhe dizer que não sou político, não vou lhe dar um voto adicional, só o meu e talvez o de Solon, e pretendo fazer na Secretaria uma política de educação séria. Ele disse de imediato que era exatamente o que ele também desejava. Saí do consultório Secretário de Educação, e ele ficou sofrendo nas unhas de Solon. Preciso acrescentar, para não restar dúvidas, que ele ainda não estava anestesiado e tinha plena consciência de suas ações.

Como havia mencionado, organizou um curso para todos os escolhidos para o seu governo. Foi uma inovação inteligente, buscando dar unidade a um grupo diferenciado e dando-lhe oportunidade de expor suas idéias de governo. E de escutar a opinião dos outros. Esse curso foi intensivo, de tempo integral e, se não me engano, durou cerca de um mês. Serviu, também, para que nos aproximássemos uns dos outros, e nos conhecessemos melhor, já que muitos de nós apenas nos conhecíamos de forma superficial. Foi o seu primeiro ato inovador.

A partir daí, desenvolvemos um ótimo relacionamento. Senti que não iria ter dificuldades com ele. Pelo contrário, fiquei certo que me apoiaria totalmente em todas as medidas que tomasse. Para começar, não indicou uma pessoa sequer para trabalhar comigo. Os escolhia, levava o nome, e ele nomeava na hora. Por essa razão, consegui fazer um grupo coeso, competente e de alto nível. E adotei, pessoalmente, uma forma que considero original de montar uma equipe. Escolhi o primeiro nome, que foi Luciano Nobrega, que muitos aqui devem conhecer. Elejá era da Secretaria e conhecia todos por lá, e toda a estrutura. Junto com ele escolhi o segundo nome e, já com esse segundo nome, o terceiro, e assim por diante, o que me permitiu montar uma equipe coesa e competente. Ainda hoje, quarenta anos depois, e digo isso com satisfação, encontro pessoas da Secretaria que não se esqueceram da nossa gestão e ainda nos elogiam pelo trabalho feito.

Vejam quem era Cortez. Sua abertura mental e política. Na primeira semana de governo, levam-me para despacho centenas de processos. Perguntei ao meu Chefe de Gabinete, que era Luciano no momento, o que é isso? São processos para o Governador assinar. O Governador? E eu? O senhor assina depois dele. Quer dizer que ele assina e depois eu assino? E que atos tão importantes são esses, que precisam de duas assinaturas? Atos administrativos de transferência de merendeiras, de servidores administrativos, de professores. O maior contingente de funcionários era da Secretaria de Educação, como creio ser até hoje, daí o volume de processos. Tudo bem, vamos levá-los para o governador assinar, mas prepare um decreto para ele também assinar, me delegando poderes para que eu assuma essa responsabilidade e possa delegar poderes para outrem fazê-lo, se assim eu achar conveniente.

Nesse tempo, o governo estava ainda no Palácio Potengi. Parei uma caminhonete cheia de processos em frente ao palácio, subi para falar com Cortez, e levei-o à varanda. Mostrei a caminhonete com os processos e disse que era para ele assinar. Com aquele seu jeito peculiar, riu muito e perguntou que loucura era aquela. Expliquei o que eram aqueles processos todos, que também achava aquilo uma loucura e, se ele não quisesse assinar, já tinha a solução. Mostrei-lhe o decreto, transferindo poderes para mim eo assinou na hora. Por minha vez, deleguei poderes dentro da Secretaria e praticamente deixei de assinar processos.

Teria muitas estórias dessas para contar. Só vou relatar mais uma, que também bem retrata quem era Cortez e seu comportamento como governador. Sou procurado na Secretaria por um senhor, dono de uma gráfica em São Paulo. Publicava livros didáticos para o ensino primário. Queria vender os seus livros para a Secretaria. Expliquei-lhe que não os compraria, pois já havia firmado um convênio com o MEC e os receberia gratuitamente. Insistiu, apesar de minhas explicações. Disse que o governador estava interessado, que havia mandado ele falar comigo para que eu comprasse os tais livros. Obviamente, disse-lhe que não os compraria, pois já os tinha de graça. Saiu contrariado e foi falar com Cortez. Soube depois que o tal fulano teve a petulância de pedir à Cortez que me demitisse, pois eu estava atrapalhando o sucesso do governo dele. Contou-me depois esse episódio rindo muito, e eu ri com ele.

Mas a Secretaria de Educação foi apenas um dos setores do governo, que conheço bem por ter sido o Secretário. Por isso mesmo, teria muitas outras estórias para contar. Mas, antes de mudar de Secretaria para comentar o governo como um todo, um esclarecimento adicional. Nunca recebi de Cortez um pedido para nomear ou demitir uma diretora de grupo escolar, uma professora, um funcionário. Sempre tive total independência nessas decisões, que eram feitas em razão de serviço. Era um democrata nato e tinha apenas o bem estar do Estado como inspiração e como meta.
Cortez inovou por onde passou. De relance, e sem entrar em muitos detalhes. Foi o pioneiro na plantação organizada de cajueiros, com Serra do Mel. Foi quem inventou criação de camarão no Estado.Quem deu ênfase a aquicultura diversificada. Foi quem buscou a introdução de novas culturas, como o café na região da serra de Martins. Foi quem iniciou a implantação de poços de forma sistemática. Quem deu fortaleza ao sistema financeiro do Estado, com o Banco do Rio Grande do Norte e o Banco de Desenvolvimento, os quais apoiou de forma efetiva. Entre tantas inovações outras.

Também foi Cortez quem primeiro enxergou o grande problema do crescimento desordenado da população do Estado. Com a direção de Genibaldo Barros, Secretário de Saúde, o apoio da Secretaria de Educação e o suporte técnico da Benfam, iniciou o primeiro programa de planejamento familiar oficial. Dado a sensibilidade que existia então com relação ao assunto, esse programa foi feito sem alarde. Atingiu todo o Estado e teve, por parte da população, especialmente a feminina, uma aceitação total. Os resultados podem ser hoje sentidos, pelo crescimento ordenado da população do Rio Grande do Norte. Foi um programa inovador por excelência, que precisou de muita coragem e visão, pois ainda se via o planejamento como uma invasão na privacidade das pessoas e uma agressão aos preceitos religiosos. Eu, que sempre acreditei na necessidade de um programa desse tipo, participei ativamente de sua implantação e desenvolvimento, colocando toda a estrutura da Secretaria, a maior do Estado, à disposição do programa. Sem exigir de ninguém que dele participasse, se tivesse qualquer motivo de foro intimo para assim proceder. Mas tive a satisfação de assistir a adesão total de cerca de 800 supervisoras da Secretaria a um treinamento sobre o assunto. Apesar de ter-lhes dito que poderiam recusar essa participação, se assim desejassem, todas se engajaram na atividade.

Com sua palavra eloquente, Cortez vendeu o Rio Grande do Norte por onde passou. Quem não se lembra daquela sua apresentação de um retrato 3x4 do RN, que quando ele terminava de falar se tinha tornado um retrato 10x15 do Estado. Aliás, quando ele falava, ao contrário de mim, por exemplo, que já estou dando sono aos senhores e que já não saíram da sala apenas pela boa educação, ninguém se cansava. E as imagens que usava eram sempre originais. Nunca me esqueci da forma como elogiou um norte-rio-grandense ilustre que há anos vivia fora do Estado. No meio de seu discurso, o comparou com uma pipa, que subiu aos céus e à vitória fora do Estado, mas que continuou a ele ligado pelo cordão que o prendia à terra.

Tive oportunidade de acompanha-lo duas vezes aos Estados Unidos, em visitas oficiais. Fui seu interprete nessas ocasiões. E, apesar do interprete, o sucesso de suas palavras resultaram em grande interesse e muitas perguntas sobre o Estado e seus afazeres. Vendia (a palavra da moda), com sucesso, o Rio Grande do Norte, por onde passava.

E, sobre a sua figura humana, passaria a noite a falar sobre ele. Relacionamento tranquilo, conversação vibrante e inteligência brilhante, só posso dizer, para mais não me alongar, que faz muita falta ao nosso Estado.

Deixei para o final, por ser o final a parte mais importante da fala, minha homenagem à Aída Cortez Pereira, que conosco aqui se encontra. Foi ela o verdadeiro esteio que o apoiou em todas as horas.
Cortez merecia um melhor orador para apresentá-lo. Especialmente para alguns que não o conheceram. Mas, como diz o velho ditado português, quem faz o melhor a mais não se obriga.
Grato a todos pela paciência e a Públio pela coragem do convite.

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(*) Orador convidado pelo presidente do Instituto Cortez Pereira, na solenidade de instalação e apresentação do Instituto, em solenidade realizada na Assembléia Legislativa do RN, em 17-05-2012.

 
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