Caboverdianamente Luis Romano

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Luís Romano Será homenageado a 23 de novembro próximo, na cidade de Natal, Brasil, onde reside desde 1962. Na mesma ocasião, o poeta, ensaísta contista e romancista natural de Santo Antão lançará o livro “Antônio Januário Leite, o poeta do além-vale”. Esta que é a mais recente edição da obra de Januário Leite vem juntar-se à própria obra de Romano, homem das letras cabo-verdianas, autor de mais de uma dezena de livros que promoveram e projetaram amplamente a cultura cabo-verdiana.

Em 1922, a Vila de Ponta do Sol, na imponente ilha de Santo Antão, viu nascer aquele que é um dos seus mais diletos filhos – Luís Romano. Como tantos outros jovens cabo-verdianos, na década de 50, Romano é forçado a emigrar, junto com a esposa e companheira de toda a vida, Maria José Firmino de Melo, para fugir à perseguição da PIDE-DGS e às amarras da ditadura de Antonio Salazar. Depois de residir no Senegal muda-se para Marrocos, onde, graças ao estatuto de exilado político, obtém a nacionalidade francesa.

É em 1962 que fixa residência no Brasil e publica, no Rio de Janeiro, o romance “Famintos”, uma obra que entrou logo para a “lista negra” das autoridades coloniais portuguesas, pois denunciava os desmandos dos portugueses em Cabo Verde nos anos de seca intensa. Assim, Luís Romano transforma-se em “persona non grata” em Lisboa, onde, até à Revolução dos Cravos que ditou o fim do Estado Novo, em 1974, estava proibido de entrar.
Em 1963, na cidade de Recife, lança “Clima”, uma coletânea de poemas. Luís Romano, que no Brasil trabalhou durante muitos anos na indústria salineira – foi ele que montou as Salinas de Macau, no estado do Rio Grande do Norte, enquanto funcionário da empresa Conde Matarazzo -, faz então um interregno de quatro anos, após o qual apresenta “Cabo Verde – Renascença de uma civilização no Atlântico Médio”. Seguiu-se uma paragem ainda mais longa, seis anos, durante a qual Luís Romano produziu “Négrume/Lzimparín, contos cabo-verdianos”.

É nessa época que, no alvor da independência de Cabo Verde, sua terra natal, sobre a qual gira grande parte da sua obra literária, Luís Romano decide voltar ao arquipélago que o viu nascer. Vera Duarte, poeta e ficcionista, considera esse regresso de Romano como providencial para a sua vida, pois acontece quando ela, Vera Duarte, ainda insegura dava os primeiros passos na sua carreira de escritora.

Nessa data, tinha deixado São Vicente para vir morar na Praia e, por que ele é meu parente do lado materno, tive logo contato com ele”, conta Duarte, que não esquece os inúmeros encontros que teve com Luís Romano na Praça 12 de Setembro. “Sentávamo-nos num dos bancos e tínhamos longas conversas durante as quais me incentivava sempre a escrever”, recorda a autora de “Arquipélago da Paixão”, que teve o “privilégio” de ver uma crítica de Luís Romano aos seus poemas “Momentos” incluída no livro “Cem anos de literatura cabo-verdiana”.

Defensor Acérrimo do Crioulo
Vera Duarte voltou ao encontrar Luís Romano em abril deste ano (2005), do outro lado do Oceano, na sua cidade adotiva, Natal. Notou que ainda estava, e continuava, “lúcido e briguento”, a nutrir uma grande paixão pela sua língua de origem. “Lembro-me que durante esse encontro ele exortou-me a não dizer “língua crioula” mas língua cabo-verdiana”, refere Vera Duarte, lembrando que Luís Romano fez a tradução da Bíblia e da Declaração dos Direitos do Homem para o crioulo de Santo Antão. “Merece por isso, toda a homenagem”, diz Vera Duarte.

David Hopffer Almada, escritor e ex-presidente da Associação dos Escritores de Cabo Verde (AEC), vai mais longe ao afirmar que o octogenário poeta e contista, pai de dois filhos (Tereza e Rafael Romano), “é não só uma pessoa muito amiga, afável e sempre solidária como também um dos escritores que mais se entregou ao movimento de emancipação da língua cabo-verdiana ao obrigar ao cabo-verdiano a tomar consciência da sua literatura”.

Afinal, “Contravento” (1982), antologia poética bilíngue. “Cem anos de Literatura Caboverdiana” (1985), “Teknosal, vade mécum salineiro” (livro editado em 1990 que continua sendo estudado nas grandes universidades brasileiras), as estórias cabo-verdianas “Ilha” (1991), “Kriolanda-Estigmas” (1999) e “Kabverd Civilização e Cultura” (2000) e tantos outros não são mais do que o reafirmar do ser cabo-verdiano, este jeito único de estar na vida, no mundo e na arte. E para Luís Romano nada melhor que a língua cabo-verdiana para marcar essa essência, esse principal elemento unificador da nação cabo-verdiana.

Numa reflexão datada de 1987, quando a questão da oficialização da língua cabo-verdiana ainda não estava na ordem do dia, Romano advoga que “a superposição oficial do idioma português em Cabo Verde é uma atrocidade, de circunstância provisória; ao passo que a permanência do idioma cabo-verdiano em Cabo Verde e pelo Mundo dos seus Emigrantes, é uma consequência natural, espontânea, gregária e eterna”.

Mas, demonstrando um grande espírito democrático e total ausência de radicalismo, Luís Romano alega que “o escritor cabo-verdiano deverá escrever na língua em que melhor souber expressar-se. Forçá-lo, ou obrigá-lo a utilizar um meio especial, quando seu instinto aponta-lhe outro, é antinatural e embota a sua criatividade. Se ele se exprimir plenamente no idioma cabo-verdiano, deverá continuar, procurando melhorá-lo e padroniza-lo. Se, por outro lado, tiver mais facilidade com o português, o inglês, o francês, ou qualquer outro ‘idioma de utilidade’, não há razões para não fazê-lo. O que importa é a transmissão da mensagem que deverá ser compreendida, principalmente em se tratando da Literatura”.

Um grande homem, um grande cabo-verdiano

Eu fui e sempre serei um cabo-vediano. E serei sempre caboverdianamente sustentado na vida”. Esta frase, que a médica Dolores Vasconcelos diz ter escutado da boca do escritor que a repete desde há 25 anos, define a essência da alma de Luís Romano. Uma postura que o poeta e escritor engajado com a sorte das ilhas e das suas gentes assume perante a vida e o mundo. Tanto assim é que o músico e compositor Manuel d’Novas lhe dedicou, em 1974, a canção “Nh’ Armon”. Por que desde sempre esteve engajado com a causa da independência  de Cabo Verde, sendo um dos primeiros a obter a carteira de militante do PAIGC e a comprometer-se com a causa da independência nacional.

Durante o seu mandato como primeiro cônsul-honorário de  Cabo Verde no Rio de Janeiro, Luís Romano “fez tudo o que pôde e ajudou com mesma competência e dignidade com que sempre serviu o seu país. Assim, fez através dos seus livros que foram sempre pautados pela defesa dos direitos humanos, levantando bem alto a bandeira por um pouco mais de paz e igualdade no mundo”, afirma Dolores Vasconcelos, para que m o poeta “é quase um pai”.

O servir Cabo Verde acontece ainda hoje, quando dá consultorias gratuitas a todos aqueles que se aproximam dele para saber mais sobre a cultura e literatura cabo-verdianas. E entre eles esteve durante vários anos o jornalista e escritor brasileiro Luís da Câmara Cascudo, falecido em 1986. Uma dedicação a tempo inteiro à sua terra natal, mesmo que a Luís Romano se possa aplicar na íntegra a famosa frase de Eugênio Tavares: “Corpo Catibu, bâ, bô que é scrabu nha alma n ‘ka negabu”. Pois é, a alma de Luís Romano continua presa a estas ilhas que não vê desde há 18 anos. E se agora não pode pisar “este solo sagrado” devido a uma “absoluta indicação médica que o impede de se deslocar a lugar nenhum” ele vive intensamente na sua terra. E é tudo isso que faz de Luís Romano “um grande homem, um grande cabo-verdiano, verdadeira enciclopédia ambulante cujos conhecimentos precisam ser traduzidos para o atual espaço cultural cabo-verdiano”, declara Dolores Vasconcelos.

Para que isso aconteça, diz o escritor Osval Osório, “é preciso que apareça alguém com preocupações editoriais e vontade de reeditar os escritos de Luís Romano”. Uma iniciativa que enriqueceria a todos por que, segundo o poeta e prosador cabo-verdiano, autor do livro “Cabovediamente  - Construção do meu amor”, a obra de Romano, enriquece Cabo Verde, sobretudo os seus trabalhos ensaísticos de cariz etnográfico.

Desse grupo de obras faz parte “Cabo Verde: elo antropológico entre a África e o Brasil” e Cabo Verde – Renascença de uma civilização”, sendo este último, segundo Custódio, “um trabalho fundamental não só para a identidade do povo de Santo Antão como para o nacional”. E Luís Romano foi recolher no terreno os dados para estes e outros ensaios. Osvaldo Osório, que conheceu Luís Romano em S. Vicente, nos anos 70 do século XX, e conviveu com ele durante os dois anos que viveu na praia, recorda que o escritor santantonense “fazia muito trabalho de campo”.

Ele conseguia fazer isso com relativa facilidade por que, como bom vivant que era, andava por todos os bairros da Praia com naturalidade e total à vontade”. Dava-se muito bem com o ‘Zé Povinho’, declara Ósório, qualificando Luís Romano como um empenhado e dedica “militante da cultura cabo-verdiana.

“Meio” esquecido pelos seus

David Hopffer Almada considera, por isso, que além de mensagens e louvores públicos, Luís Romano necessita que Cabo Verde lhe estenda a mão, numa altura em que está muito doente (confinado a uma cadeira de rodas desde que foi vítima de uma trombose ) e a viver em condições “muito difíceis”. E apesar de tudo, segundo Hopffer Almada, - em cujo mandato como ministro da Cultura (meados da década de 80), Luís Romano foi homenageado-, “ele continuar a escrever a máquina, muitas vezes apenas com um dedo”. E continua muito liga a Cabo Verde”, diz Hopffer Almada, que lamenta que as novas gerações não conheçam o importante legado literário deste ilustre cabo-verdiano.

Zeca Leite, emigrante cabo-verdiano residente na Flórida, Estados Unidos, autor do grafismo da capa e a contra-capa, bem como de outras ilustrações da obra “Antônio Januário Leite, o poeta do além vale” e um dos promotores da homenagem que terá lugar no próximo mês no Brasil, lamenta que o escritor, até esta data, não tenha sido contemplado com nenhuma distinção oficial, “pela sua grande produção literária que contribui imensamente para o despertar da consciência nacionalistas dos cabo-verdiano”.

Por isso, Zeca Leite e os demais promotores desta homenagem já se encetaram contatos nos sentidos das autoridades nacionais se associarem a esta iniciativa. “Pelo patriotismo demonstrado e pela zelosa contribuição dada á literatura cabo-verdiana, seria de toda a justiça que aqueles que nesta hora representam a nação cabo-verdiana se interessassem e lhe manifestassem um gesto de reconhecimento , em nome do povo das ilhas”, afirma Leite.

Dolores Vasconcelos não é entretanto tão crítica, preferindo afirmar que Cabo Verde tem dado o que pode. Segundo Dolores Vasconcelos, “houve um período em que ele enfrentou muitas difilcudades, pois com as reformas efetuadas durante o mandato do presidente brasileiro Fernando Collor, ele perdeu a pensão a que tinha direito”.

“Nessa época, contatei o estado de Cabo Verde que, desde então, passou a enviar uma pensão que Luís Romano recebe regularmente. E o atual governo ajudou a pagar as despesas da operação cirúrgica a que foi submetido”, diz a médica obstetra que que viveu longos anos no Brasil, convivendo por isso de perto com Luís Romano. Mas, por que são “imensos os gastos que faz na compra de medicamentos”, Romano continua a necessitar de ajuda. O que não seria mais do que uma pequena retribuição do grande amor que dá a sua terra e ao seu povo.

Por: Teresa Sofia Fortes