Instituto José Maciel

Carlos Lyra

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        Quando Diógenes da Cunha Lima foi escolhido reitor da Universidade, foi a mim, em seu gabinete, um dia ou dois depois de sua posse, que ele convidou para ser o diretor geral da TV Universitária. E sua surpresa foi constatar a consciência pessoal do meu próprio  despreparo para exercer cargos públicos. Mas, disse a ele que um amigo comum seria o nome ideal: Carlos Lyra. Ele parou alguns segundos, e concordou sem precisar de mais nenhuma explicação, dizendo que eu tinha razão, e que Carlinhos era mesmo o melhor nome para o lugar.

        O tempo revelou que estávamos certos. Carlos Lyra não só implantou os equipamentos de TV colorida que já estavam a caminho, uma conquista iniciada na gestão Arnon Andrade, como ampliou. E projetou a TV-U muito bem, nas áreas de educação e jornalismo, registrando depoimentos de personagens da história da cidade com o Memória Viva. Indicado Genival Barros, luta da qual participei com algumas idéias, fiz tudo para manter Carlinhos no cargo. Fomos derrotados. Nada mais pedi durante os quatro anos. Nem um figo podre.

        Quatro anos depois, era eleito o professor Daladier Pessoa e, desta vez, coube a Diógenes, seu irmão, a nova indicação. Uma homenagem. Minha participação foi apenas deixar Diógenes informado do processo. Acho que cheguei a tempo e ele foi escolhido diretor geral. Já não teve o mesmo apoio de antes. Nem conseguiu realizar seu grande sonho, a construção da sede própria da TV-U, no Campus. O reitor optou por construir a sede da Escola de Música. A televisão só seria construída na gestão seguinte, do professor Geraldo Queiroz.

        Este depoimento é ó para dizer da minha grande admiração por Carlos Lyra. Não queria cargos. Nunca lutou para tê-los ou assumi-los. Era preciso pressioná-lo, e muito. Gostava dos seus arquivos e suas manias de buscar e registrar informações e imagens. Não fosse o programa Memória Viva, o mais extenso e importante documentário da vida contemporânea do Rio grande do Norte do Século XX, talvez não tivesse suportado as dificuldades burocráticas, embora fosse de uma paciência que desafiava a má vontade dos eternos gênios locais.

       Com ele aprendi muitas coisas, principalmente a arte de guardar papéis aparentemente sem importância. Talvez, os meus arquivos, menores e menos organizados do que os dele, tenham nascido dessa convivência. Com Carlinhos passei a ser freqüentador, sempre que possível, da casa de Câmara Cascudo, em tardes e noites inesquecíveis. De sua generosidade herdei a amizade com Oswaldo de Souza. Ora, quantas noites não vivemos juntos, em torno de sua mesa, ou em almoços domingueiros que hoje fazem, em mim, a história do nunca mais? Na gestão do reitor Óton Anselmo, se não estou enganado, e já aposentado, foi vítima de uma grande injustiça. Na publicação sobre os vinte e cinco anos da TV suas duas gestões – oito anos de atuação – foram omitidas. Até seu nome. Protestei nessa coluna contra a maldade que eu sabia ser por pura falta de grandeza. Diante do protesto, o reitor ligou para ele, no dia seguinte, com uma desculpa amarela. Na gravação do seu Memória Viva, quis me convidar para ser um dos entrevistadores, mas eu estava longe, em viagem a São Paulo.

        Ninguém contará a história da evolução urbana desta cidade sem passar pelo acervo fotográfico de Carlos Lyra. Seu livro é imprescindível a uma compreensão da história do método Paulo Freire aqui no Estado. Os depoimentos e fotos de Cascudo completam a memória cascudiana. Ninguém mais do que ele viveu com Cascudo. Até na intimidade. Basta dizer de sua idéia, rara e insubstituível, quando gravou Cascudo descrevendo sua própria biblioteca. Estante a estante, numa maravilhosa descrição do seu grande mundo da Junqueira Aires.

       Nossos caminhos, depois, ficaram mais distantes, numa imposição natural da vida. Mas acompanhei sua doença de longe. Sem coragem de vê-lo. Semana passada, num encontro casual, perguntei a Fernando, seu irmão, sobre a sua saúde. Senti Fernando pessimista por que Carlinhos havia perdido os dois rins. Pediu que o visitasse. Prometi, mas não venci o medo. Sábado, na estrada para a fazenda de um amigo, Thaísa Galvão ligou dando a notícia da sua morte. Escondi minha tristeza, mas segui lembrando dele. Que saudade de Carlos Lyra!

Vicente Serejo

 
 Natal/RN - Brasil,