Instituto José Maciel

Exemplos de grandeza humana

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Estou vendo tia Nair, matriarca, sentada na sua cadeira de balanço, contemplando o seu jardim e a paisagem humana que a cercava, em sua residência, uma casa bem ao estilo das antigas construções, alpendrada e aconchegante, na sua cidade de infância e de muitos desafios.

A sua Macaíba de criança, de adolescente, de mocidade feliz, amor à primeira vista, noivado, casamento, maturidade, velhice e fidelidade imorredoura, seu intocável território sagrado.

Nair de Andrade Mesquita se estivesse viva, estaria completando 111 anos de idade, pois, viera ao mundo precisamente, em 30 de maio de 1901. Ela tinha um porte de italiana, uma beleza que externava doçura, uma calma paciente que aquietava os apressados, parecendo um ancoradouro para os que precisavam de aconchego e de perdão.

Os seus olhos lembravam a figura de minha avó, Sofia, sua mãe, o olhar penetrante, profundo, de quem falava para dentro de nós, com a força maternal de apoiamento e ternura. Uma mulher especial, resignada e heroica no sentido de dirimir com autoridade e bom senso, choques, divisões, conflitos, de uma família política, muitas vezes dividida, que ela soube preservar como esposa, cunhada, tia, mãe, no exemplo e na conduta equilibrada, sensata e apaziguadora.

Ela herdou da mãe, Sofia Curcio de Andrade, a lição de amor, devoção, humildade, que soube vencer os percalços de uma viuvez aos 20 e poucos anos de idade. Minha avó que me hospedou por um tempo, nesta cidade, quando meu pai residia no interior e eu me iniciava nos estudos secundários. Convivi, na minha adolescência, com o seu amor e o seu afago, a proteção que ainda guardo no tempo.

 

Manuel Bandeira evocando sua mãe, que como minha avó, era pequena, as mãos franzinas, os pequenos pés: “Eras avó/E morta eras uma menina”. Lembro-me dela exangue, no leito da morte, na casa dos meus pais, após tanto sofrimento. Nunca acreditei que tivesse realmente morrido, tal era o seu carisma de mulher que liderava todos nós.

Tia Nair de Andrade Mesquita, não trilhou os mesmos caminhos sofridos de sua mãe, mas, igual a ela, a mesma têmpera, mesmo calibre moral, moderação, acima das paixões desenfreadas que levam ao desequilíbrio emocional, a parcimônia permanente, guardando seu comportamento à frente das grandes decisões familiares.

O poeta Ledo Ivo falando sobre Rachel de Queiroz afirmou que ela apesar de morta, continuava sempre como um pão matinal que ilumina a mesa familiar, como a água pura que jorra da montanha, como um clarão inaugural de uma aurora interminável, como a vaga sucessiva no oceano.

É assim que penso sobre tia Nair, minha avó Sofia e minha mãe, que era também Sofia, Sofiinha. Ao recordar as três grandes mulheres, Sofia Nair e Sofiinha, faço uma viagem no tempo e volto à Macaíba, berço dos meus ancestrais maternos e nesse périplo emocional repito Nilo Pereira, saudando o seu Ceará Mirim – quem evoca, descreve, lembra, fixa o que se parece tempo passado e, no entanto ficou na memória com a “força imensa das coisas eternas”.

Tribuna do Norte: Ticiano Duarte - jornalista
 
 Natal/RN - Brasil,