Até hoje o Rio Grande do Norte ainda não prestou uma homenagem condigna à memória do ex-governador José Cortez Pereira de Araújo. São transcorrido dez anos do seu falecimento. Conheci-o ainda adolescente em MacaÃba na casa do meu pai no entardecer dos anos cinquenta. Ambos, deputados estaduais, fazendeiros, criadores: um pessedista e outro udenista. Mas, a amizade pairava acima das divergências partidárias ocasionais. Cortez, cordial, ameno no trato, gostava e ria com os rompantes de Alfredo Mesquita, ferrenho adversário do governo Dinarte Mariz. Na Assembléia, certa vez, Mesquita contemplou o bloco udenista da Casa e, de pé, dedo em riste, comentou com Lauro Arruda: "Dessa bancada só quem presta é Cortez pereira!!" Eram os tempos agitados da litigância polÃtica franca e sem capitulação.
Cortez como homem público e cidadão, sabia ler o que estava escrito nas mais remotas estrelas. Representava um ponto de intersecção entre o idealista e o filósofo. Na constelação polÃtica daqueles anos foi um lutador quase solitário. Nas terras calcinadas pelas lutas do vermelho e do verde, sobreviveu com sofrimento as variações do tempo e dos homens. Desempenhei três cargos de auxiliar do seu governo criativo e desenvolvimentista. Exercitou também a solidão nos momentos tensos, densos e intensos da gestão pública, principalmente quando incompreendido em meio à alta voltagem dos curtos-circuitos acesos e trovejantes do Aluizismo e do Dinartismo.
Cortez destacou-se como orador primoroso, persuasivo, quando dissecava os temas polÃtico-administrativos com elegância, sem cair na vala comum do despautério. Enfrento os dez anos do seu passamento com desolação. Constato que foi um incompreendido, vÃtima do trofel dos poderosos que interromperam a sua vocação. Como democrata de idéias e lutas nascidas nas vertentes libertárias do seu tempo, pude testificar sua criatividade. Iluminou com memoráveis pronunciamentos o senado da república. No anoitecer de sua vida, como prefeito de Serra do Mel demonstrou humildade e resignação. Eu me avistava com ele, vez por outra na Assembléia Legislativa e sentia que não havia ainda perdido nos olhos a cordialidade.
O mundo de Cortez, não se constituiu apenas de fulgurações mas, igualmente de sofrimento e solidão. Qual o polÃtico que não guardou em si grandes partidas insatisfeitas? Cortez Pereira se resumiu num deles. Na ânsia de conquista de espaços e horizontes do novo Rio Grande do Norte, nada faltou a sua arte. Há uma frase do pensador francês, François Charles Mauriac que "Um ser humano é editado num único exemplar e jamais reproduzido, desde que o mundo é mundo". Por isso não perdi a capacidade de me indignar quando o vejo esquecido pelos polÃticos de hoje. Por tudo isso, o Estado está a lhe dever maior reverência após a ignomÃnia de tê-lo olvidado por tanto tempo. Ainda há espaço para uma reverência, afim de que essa classe não caia na condenação sinistra de Dante: "Ô gente avara, fútil e proterva".
Escrito por: Valério Mesquita
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